A árvore do conhecimento - Revolução Cognitiva

Especialistas especularem que a ESTRUTURA INTERNA DO CÉREBRO desses sapiens provavelmente era diferente da nossa. Eles se pareciam conosco, mas suas capacidades cognitivasAPRENDIZADO, MEMÓRIA E COMUNICAÇÃO– eram muito mais limitadas. 

A  partir de 70 mil anos atrás, o Homo sapiens bandos de sapiens deixaram a África pela segunda vez, expulsaram os neandertais e todas as outras espécies humanas não só do Oriente Médio como também da face da Terra. 

Em um período incrivelmente curto, os sapiens chegaram à Europa e ao leste da Ásia. Há aproximadamente 45 mil anos, conseguiram atravessar o mar aberto e chegaram à Austrália – um continente até então intocado por humanos. 

O período de 70 mil anos atrás a 30 mil anos atrás testemunhou a invenção de barcos, lâmpadas a óleo, arcos e flechas e agulhas (essenciais para costurar roupas quentes). Os primeiros objetos que podem ser chamados de arte e joalheria datam dessa era, assim como os primeiros indícios incontestáveis de religião, comércio e estratificação social.

 Estatueta em marfim de um “homem-leão” (ou “mulher-leoa”) da caverna de Stadel, na Alemanha (c. 32 mil anos atrás).

 O corpo é humano, mas a cabeça é leonina. Este é um dos primeiros exemplos indiscutíveis de arte, e provavelmente de religião e da capacidade da mente humana de imaginar coisas que não existem de fato, produto de uma revolução nas habilidades cognitivas dos sapiens.

SURGEM NOVAS FORMAS DE PENSAR E SE COMUNICAR

O surgimento de novas formas de pensar e se comunicar, entre 70 mil anos atrás a 30 mil anos atrás, constitui a Revolução Cognitiva, a teoria mais aceita afirma que MUTAÇÕES GENÉTICAS acidentais MUDARAM AS CONECXÕES INTERNA DOS SAPIENS, possibilitando que PENSASSEM de uma maneira sem precedentes e se COMUNICASSEM usando um TIPO DE LINGUAGEM totalmente novo. Poderíamos chamá-las de mutações da árvore do conhecimento.

"Todos os animais têm alguma forma de linguagem." 

Mas a linguagem é incrivelmente versátil. Podemos conectar uma série limitada de sons e sinais para produzir um número infinito de frases, cada uma delas com um significado diferente. Podemos, assim, consumir, armazenar e comunicar uma quantidade extraordinária de informação sobre o mundo à nossa volta. 

NOSSA LINGUAGEM evoluiu como uma forma de FOFOCA. De acordo com essa teoria, o Homo sapiens é antes de mais nada um animal social. A cooperação social é essencial para a sobrevivência e a reprodução.

Para o sapiens é importante saber quem em seu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro. A quantidade de informações que é preciso obter e armazenar a fim de rastrear as relações sempre cambiantes até mesmo de umas poucas dezenas de indivíduos é assombrosa. (Em um bando de cinquenta indivíduos, há 1.225 relações de um para um, e incontáveis combinações sociais mais complexas.)  Eles provavelmente também tiveram dificuldade para falar pelas costas uns dos outros – uma habilidade muito difamada que, na verdade, é essencial para a cooperação em grande número.

 As novas habilidades linguísticas que os sapiens modernos adquiriram há cerca de 70 milênios permitiram que fofocassem por horas a fio.

 Graças a informações precisas sobre quem era digno de confiança, pequenos grupos puderam se expandir para bandos maiores, e os sapiens puderam desenvolver tipos de cooperação mais sólidos e mais sofisticados.

Ainda hoje, a maior parte da comunicação humana – seja na forma de e-mails, telefonemas ou colunas nos jornais – é fofoca. É tão natural para nós que é como se nossa linguagem tivesse evoluído exatamente com esse propósito. 

A fofoca normalmente gira em torno de comportamentos inadequados. 

 Mas a característica verdadeiramente única da nossa linguagem não é sua capacidade de transmitir informações sobre homens e leões. É a capacidade de transmitir informações sobre coisas que não existem

 A FICÇÃO - HABILIDADE DO HOMO SAPIENS

Até onde sabemos, só os sapiens podem falar sobre tipos e mais tipos de entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram. Lendas, mitos, deuses e religiões apareceram pela primeira vez com a Revolução Cognitiva. 

Antes disso, muitas espécies animais e humanas foram capazes de dizer: “Cuidado! Um leão!”. Graças à Revolução Cognitiva, o Homo sapiens adquiriu a capacidade de dizer: “O leão é o espírito guardião da nossa tribo”. 

Essa capacidade de falar sobre ficções é a característica mais singular da linguagem dos sapiens. A ficção pode ser perigosamente enganosa ou confusa. A ficção nos permitiu não só imaginar coisas como também fazer isso coletivamente. Podemos tecer MITOS PARTILHADOS, tais como a história bíblica da criação, os mitos do Tempo do Sonho dos aborígenes australianos e os mitos nacionalistas dos Estados modernos. 

A LENDA DE PEUGEOT

Nossos primos chimpanzés normalmente vivem em pequenos bandos de várias dezenas de indivíduos. Eles formam fortes laços de amizade, caçam juntos e lutam lado a lado contra babuínos, guepardos e chimpanzés inimigos. Sua estrutura social tende a ser hierárquica. O membro dominante, que quase sempre é um macho, é denominado “macho alfa”. Outros machos e fêmeas demonstram sua submissão ao macho alfa curvando-se diante dele enquanto emitem grunhidos, de modo não muito diferente de súditos humanos se ajoelhando diante de um rei. O macho alfa se esforça para manter a harmonia social em seu bando. Quando dois indivíduos brigam, ele intervém e impede a
violência. Em uma atitude menos benevolente, ele pode monopolizar alimentos particularmente cobiçados e evitar que machos de postos inferiores na hierarquia acasalem com as fêmeas. Quando dois machos estão disputando a posição de alfa, eles normalmente fazem isso formando grandes coalizões de apoiadores, tanto machos quanto fêmeas, dentro do grupo. Os laços entre os membros da coalizão se baseiam em contato íntimo diário – abraçar, tocar, beijar, alisar e fazer favores mútuos. 

Assim como os políticos humanos em campanha eleitoral saem por aí distribuindo apertos de mão e beijando bebês, também os aspirantes à posição superior em um grupo de chimpanzés passam muito tempo abraçando, dando tapinhas nas costas e beijando filhotes. 

O macho alfa normalmente conquista essa posição não porque seja fisicamente mais forte, mas porque lidera uma coalizão grande e estável. Essas coalizões exercem um papel central não só durante as lutas pela posição de alfa como também em quase todas as atividades cotidianas. 

Membros de uma mesma coalizão passam mais tempo juntos, partilham alimentos e ajudam uns aos outros em momentos de dificuldade. Há limites claros ao tamanho dos grupos que podem ser formados e mantidos de tal forma. Para funcionar, todos os membros de um grupo devem conhecer uns aos outros intimamente. Dois chimpanzés que nunca se encontraram, nunca lutaram e nunca se alisaram mutuamente não saberão se podem confiar um no outro, se valerá a pena ajudar um ao outro nem qual deles é superior na hierarquia. Em condições normais, um típico bando de chimpanzés consiste de 20 a 50 indivíduos.

 À medida que o número em um bando de chimpanzés aumenta, a ordem social se desestabiliza, levando enfim à ruptura e à formação de um novo bando por alguns dos animais. Apenas em alguns casos os zoólogos observaram grupos maiores que cem. Grupos separados raramente cooperam e tendem a competir por território e por alimentos. Os pesquisadores documentaram guerras prolongadas entre grupos, e até mesmo um caso de atividade “genocida” em que um bando assassinou sistematicamente a maioria dos membros de um bando vizinho.

 Padrões similares provavelmente dominaram a vida social dos primeiros humanos, incluindo o Homo sapiens arcaico. Os humanos, como os chimpanzés, têm instintos sociais que possibilitaram aos nossos ancestrais construir amizades e hierarquias e caçar ou lutar juntos. No entanto, como os instintos sociais dos chimpanzés, os dos humanos só eram adaptados para pequenos grupos íntimos. Quando o grupo ficava grande demais, sua ordem social se desestabilizava, e o bando se dividia. Mesmo se um vale particularmente fértil pudesse alimentar 500 sapiens arcaicos, não havia jeito de tantos estranhos conseguirem viver juntos. Como poderiam concordar sobre quem deveria ser o líder, quem deveria caçar onde, ou quem deveria acasalar com quem? 

Após a Revolução Cognitiva, a fofoca ajudou o Homo sapiens a formar bandos maiores e mais estáveis. Mas até mesmo a fofoca tem seus limites. Pesquisas sociológicas demonstraram que o tamanho máximo “natural” de um grupo unido por fofoca é de cerca de 150 indivíduos. A maioria das pessoas não consegue nem conhecer intimamente, nem fofocar efetivamente sobre mais de 150 seres humanos.

 Mas, quando o limite de 150 indivíduos é ultrapassado, as coisas já não podem funcionar tão bem. Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar esse limite crítico, fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios que governam centenas de milhões? O segredo foi provavelmente o surgimento da ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos. Toda cooperação humana em grande escala – seja um Estado moderno, uma igreja medieval, uma cidade antiga ou uma tribo arcaica – se baseia em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas. 

 O Homo sapiens viveu sem propriedades por milênios. Durante a maior parte da história de que se tem registro, a propriedade só poderia pertencer a seres humanos de carne e osso, do tipo que anda sobre duas pernas e tem cérebro grande. Não havia propriedade jurídica.


Os tipos de coisa que as pessoas criam por meio dessa rede de histórias são conhecidos nos meios acadêmicos como “ficções”, “construtos sociais” ou “realidades imaginadas”. Uma realidade imaginada não é uma mentira. Eu minto se digo que há um leão perto do rio quando sei perfeitamente que não há leão algum. Não há nada de especial nas mentiras. Macacos-verdes e chimpanzés podem mentir. Já se observou, por exemplo, um macaco-verde gritando “Cuidado! Um leão!” quando não havia leão algum por perto.

 Ao contrário da mentira, uma realidade imaginada é algo em que todo mundo acredita e, enquanto essa crença partilhada persiste, a realidade imaginada exerce influência no mundo. 

Desde a Revolução Cognitiva, os sapiens vivem, portanto, em uma realidade dual. Por um lado, a realidade objetiva dos rios, das árvores e dos leões; por outro, a realidade imaginada de deuses, nações e corporações. Com o passar do tempo, a realidade imaginada se tornou ainda mais poderosa, de modo que hoje a própria sobrevivência de rios, árvores e leões depende da graça de entidades imaginadas, tais como deuses, nações e corporações.

SUPERANDO O GENOMA

A capacidade de criar uma realidade imaginada com palavras possibilitou que um grande número de estranhos coopere de maneira eficaz. Mas também fez algo mais. Uma vez que a cooperação humana em grande escala é baseada em mitos, a maneira como as pessoas cooperam pode ser alterada modificando-se os mitos – contando-se histórias diferentes.  Nas circunstâncias adequadas, os mitos podem mudar muito depressa

Em consequência, desde a Revolução Cognitiva o Homo sapiens tem sido capaz de revisar seu comportamento rapidamente de acordo com necessidades em constante transformação. Isso
abriu uma via expressa de evolução cultural, contornando os engarrafamentos da evolução genética. 

Acelerando por essa via expressa, o Homo sapiens logo ultrapassou todas as outras espécies humanas em sua capacidade de cooperar. Tais mudanças drásticas de comportamento só ocorreriam se algo mudasse no DNA.  Até onde sabemos, as mudanças nos padrões sociais, a invenção de novas tecnologias e a consolidação de novos hábitos decorreram mais de mutações genéticas e pressões ambientais do que de iniciativas culturais. 

Há 2 milhões de anos, mutações genéticas resultaram no surgimento de uma nova espécie humana chamada Homo erectus.  Por sua vez, desde a Revolução Cognitiva, os sapiens têm sido capazes de mudar seu comportamento rapidamente, transmitindo novos comportamentos a gerações futuras sem necessidade de qualquer mudança genética ou ambiental


O que aconteceu na Revolução Cognitiva?
História e biologia
A imensa diversidade de realidades imaginadas que os sapiens inventaram e a diversidade resultante de padrões de comportamento são os principais componentes do que chamamos “culturas”. Desde que apareceram, as culturas nunca cessaram de se transformar e se desenvolver, e essas alterações irrefreáveis são o que denominamos “história”.

 A Revolução Cognitiva é, portanto, o ponto em que a história declarou independência da biologia. Até a Revolução Cognitiva, os feitos de todas as espécies humanas pertenciam ao reino da biologia, ou, se quisermos, da pré-história (eu tendo a evitar o termo “préhistória” pois sugere, erroneamente, que até mesmo antes da Revolução Cognitiva os humanos constituíam uma categoria própria). A partir da Revolução Cognitiva, as narrativas históricas substituem as narrativas biológicas como nosso principal meio de explicar o desenvolvimento do Homo sapiens. 

Para entender a ascensão do cristianismo ou a Revolução Francesa, não basta compreender a interação entre genes, hormônios e organismos. É necessário, também, levar em consideração a interação entre ideias, imagens e fantasias. Isso não significa que o Homo sapiens e a cultura humana tenham se tornado isentos de leis biológicas

Ainda somos animais, e nossas capacidades físicas, emocionais e cognitivas continuam sendo moldadas por nosso DNA

Para resumir as relações entre a biologia e a história após a Revolução Cognitiva: 

a. A biologia estabelece os parâmetros básicos para o comportamento e as capacidades do Homo sapiens. Toda a história acontece dentro dos limites dessa arena biológica.
b. No entanto, essa arena é extraordinariamente grande, possibilitando que os sapiens joguem uma incrível variedade de jogos. Graças à sua habilidade de criar ficções, os sapiens inventam jogos cada vez mais complexos, que cada geração desenvolve e elabora ainda mais. 
c. Em consequência, a fim de entender como os sapiens se comportam, devemos descrever a evolução histórica de suas ações.  

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