Capítulo V - O Behaviorismo não considera as intenções ou os propósitos? Nádia Prazeres Pinheiro

Ao nos indagarmos sobre “O que é intenção?” ou “O que é propósito?”, a probabilidade de ratificarmos a hipótese de que todos darão explicações pautadas numa crença internalista é alta. Intenção, propósito, expectativa, vontade, desejo, intuito, objetivo... Dificilmente alguém não entende estas palavras. 

No conhecimento do senso comum, são elas que desencadeiam nossos comportamentos - é por causa delas que agimos. Assim, se “vamos à praia” é porque desejamos ir até lá; se temos a intenção de sermos bons profissionais, buscaremos estudar para isso e o comportamento de estudar estaria sendo causado pela nossa vontade. Porém, como este capitulo é fundamentado na filosofia behaviorista radical, trataremos de enfocar a intenção a partir de um recorte externalista

Antes de tudo, precisamos retomar o paradigma da tríplice contingência. ( Sd- R - Sc), pois a ela estaremos sempre recorrendo. Neste modelo, são as conseqüências reforçadoras que alteram a probabilidade do comportamento ser emitido no futuro.

O alcance de tal conseqüência, dá-se no comportamento futuro e não no que já ocorreu. A alteração não é imediata no sentido de que ocorre sobre o comportamento presente, ela é na verdade, futura, sendo percebida na emissão ou não de comportamentos futuros (Skinner. 1998).

 Esta última afirmação necessita de um pouco mais de atenção, pois voltará a ser trabalhada adiante. Segundo Baum (1999). "É claro que um evento futuro não pode causar um comportamento. (...) As variáveis das quais meu comportamento depende devem estar no passado ou no presente” (Baum. 1999. p. 98). De acordo com Baum (1999), existem três significados para a palavra intenção:função, causa e sentimentos. 

O uso de intenção como função não é incompatível com o discurso científico. Ao afirmarmos que a intenção da borracha é apagar erros de grafia, estamos falando de sua função, o que ela faz, para que ela serve, o que ela é. Em suma. estamos nos referindo à sua definição, à sua classe funcional, ou seja, algo que a caracteriza como borracha, algo que a diferencia de todos os outros objetos, e que independente de sua topografia (forma, cor, tamanho) não a faz perder ou ser excluída de sua unidade funcional. 

A noção de unidade funcional é semelhante à de classe de estímulos, na qual um conjunto de estímulos apresenta alguma propriedade comum (AVhaley e Mallot, 1980a). Mas isso se aplica quando estamos falando de objetos. E quando falamos de comportamento, como podemos interpretar intenção vista como função? O uso de intenção, neste caso, designa efeitos ou objetivos. Assim, quando apresento o comportamento de usar uma borracha, a intenção do comportamento, isto é, o objetivo do comportamento é o próprio reforçador, qual seja, o de ter algo apagado. Logo, a intenção está presente no próprio comportamento operante, seja na funcionalidade do objeto (trabalho que desempenha), seja no reforçador (estimulo conseqüente a um comportamento) de um determinado comportamento. 

A segunda maneira de definirmos intenção é substituí-la como causa de um comportamento. Deste modo, o comportamento de usar uma borracha é causado por um desejo interno de ter algo apagado. Se agimos de alguma forma, já temos em mente um determinado objetivo, já sabemos o que almejamos, e por isso nos comportamos. Mas. esta assertiva vai de encontro à nossa filosofia que é anti-mentalista. não sendo possível aceitar tal hipótese. Nossa explicação deve, portanto, residir no próprio comportamento operante. 

Uma vez que ao agirmos temos nosso comportamento reforçado, o fato de termos conseguido o reforço faz com que emitamos comportamento semelhante ao outro  reforçado, ou, por outro lado, se formos punidos, teremos menor probabilidade de emitir comportamento semelhante. 

Tudo depende da história de reforçamento de um dado comportamento. “Nós nos lembramos do que fizemos antes e isso nos inclina a nos comportarmos de modo similar ou diferente, dependendo do que é reforçado*’ (Baum. 1999, p. 103). 

Ora, se o comportamento reforçado pelo fato do erro ter sido apagado, o comportamento de apagar teve sua probabilidade de ocorrência aumentada Logo. quando estivermos frente a um erro (S4), nos comportaremos de maneira semelhante (R). e obteremos (provavelmente) o reforço (SO- Assim, a causa do comportamento não é interna, ele (o comportamento) é de fato fruto de contingências ambientais: é determinado por elas.

Fica, ainda, uma questão: a de por que é comum concebermos intenção como causa. Porque ao dizermos que o comportamento é causado, acreditamos que a causa tem que ser anterior à emissão da resposta como no reflexo (Skinner. 2003). Então, a possibilidade mais imediata é que tenha em mente o objetivo, e que essa representação mental seria a causa.

Bom, e já que a causa tem que ser sempre anterior ao comportamento, como o Sr poderia causar qualquer comportamento? Esse esclarecimento, quem nos dá é Skinner, ao dizer que o efeito do Sr se faz sentir em outras respostas, e não na resposta que o acompanha.
Não é correto dizer que o reforçamento operante ‘reforça a resposta que o precede'. A resposta já ocorreu e não pode ser mudada. (...) No lugar de dizer que um homem se comporta por causa das conseqüências que seguem o seu comportamento, diremos simplesmente que ele se comporta por causa das conseqüências que seguiram um comportamento semelhante no passado (Skinner. 1998. p. 97).

Destarte, o estímulo reforçador pode sim, controlar a emissão de respostas. Um outro motivo que justifica a confusão é que ao nos comportarmos seguindo a nossa intenção, esta cessa (Baum. 1999). Por exemplo, se desejamos ter um erro apagado (intenção), o apagamos e, por conseguir êxito em nosso propósito, paramos de apagar. A intenção seria vista como a causa do comportamento, uma vez que a intenção não existe mais. ou seja. o comportamento cessou porque a causa não está mais operando. Faz-se uma relação entre o fim do comportamento com a obtenção do objetivo, conseguindo este. aquele é dado como não mais necessário. Deste modo, o parar de apagar é devido a já ter apagado o erro, portanto "rendo o propósito já realizado, não apagamos mais o erro'’; e tal fato é concebido como se a vontade interna é que estivesse determinando o nosso comportamento. 

Novamente podemos esclarecer essa situação, agora recorrendo ao encadeamento de respostas. Se uma resposta deixa de ser emitida, é devido à aparição do reforço, e este, por sua vez. produz uma mudança no meio e serve como estimulo discriminativo para outra resposta (Whaley e Mallot, 1980b). Da seguinte maneira: Erro -> Apagar o erro -> Erro apagado -> Escrever outra palavra S* R S e S* R.

A terceira forma de entendermos a intenção é como sentimento. Ao expressar, por exemplo, que estamos com vontade de comprar uma nova peça de roupa e, então, concluirmos que temos a intenção de comprá-la estamos relatando uma vontade, um sentimento. "Se eu sei o que eu quero, isso significa que algum sentimento interno está se comunicando comigo" (Baum. 1999. p. 103). 

Porém, uma vez mais, estamos nos referindo a mentalismos. Baum (1999) descreve “dicas” que iriam nortear nossos auto-relatos (fala para si mesmo). Isso quer dizer que sempre que emitimos um auto-relato, este comportamento está baseado tanto em eventos privados quanto em eventos públicos, além de situações passadas, na nossa história de vida. e não fundamentado no futuro

Auto-relatos. incluindo palavras como pretender, supor, acreditar, pensar, parecem estar ditando algo futuro, falando do futuro, esclarecendo o que o sujeito irá fazer, mas na verdade estão se referindo a conseqüências passadas que dizem da probabilidade de uma resposta ser emitida e, por conseguinte, ser reforçada (Skinner, 1984). 

Por exemplo, ao afirmarmos que “pretendemos comer uma isca de peixe”, estamos nos referindo não ao futuro, como pode parecer, mas sim ao passado, pois. em algum momento passado, em circunstâncias parecidas com as atuais, comemos a isca de peixe e foi reforçador. Logo. já que os contextos são semelhantes, agora, a isca aluaria como reforçador para o comportamento de comê-la. nossas chances de obter reforço ao emitirmos tal comportamento é maior do que com qualquer outro. Essa explicação é pertinente e cientifica. pois envolve apenas eventos naturais. Assim como escreve Baum. 

“A explicação cientifica para a ação aparentemente intencional e para os auto-relatos sobre intenções sentidas baseia-se nas circunstâncias presentes associadas ao reforço passado em circunstâncias similares, ambas naturais e passíveis de descobertas" (Baum. 1999, p. 104). 

Um sentimento pode agir como “dica" de um auto-relato como foi dito anteriormente - sentimento entendido como ato de sentir. Portanto, se sentimos fome, dizemos que temos a intenção de comer, se sentimos frio, temos o desejo de termos conosco um agasalho. E, se dizemos sentir vontade de fazer alguma coisa, se há realmente algum sentimento envolvido na nossa intenção, seja um sentimento de persistência, euforia, raiva, medo etc., ele não é o agente do nosso comportamento, estando apenas presente como subproduto de contingências. Em outras palavras, os sentimentos resultam de condicionamento clássico, por emparelhamento de uma resposta pública com um evento privado (Baum. 1999). Então, ao sentirmos vontade de fazer algo, não estaremos nos referindo a uma intenção interna, mas sim a nossa própria história de reforçamento. 

“Uma pessoa disposta a agir porque foi reforçada para tanto pode sentir a condição de seu corpo nesse momento e chamar-lhe “propósito sentido*, mas o que o Behaviorismo rejeita é a eficácia causai desse sentimento” (Skinner. 2003, p. 190-191). 

Podemos achar suficiente como explicação para uma jovem querer frequentar uma academia de ginástica o fato de ela poder encontrar lá rapazes bonitos . Pode ser, entretanto, que ela faça isso inconscientemente, ou seja. não percebendo que seu comportamento está sendo controlado por tal contingência de reforço. Assim, dizemos que sua intenção é essa, qual seja, o reforçador de estar observando rapazes bonitos. Portanto, "Uma pessoa pode afirmar seu propósito ou intenção... Ela não pode fazer isso, evidentemente, se ela não estivesse ‘consciente’ das ligações causais. Ainda assim as contingências são efetivas mesmo quando uma pessoa não consegue descrevê-las" (Skinner, 1984, p. 267). 

A facilidade em dar justificativas internas ao invés de fazer uma análise funcional (pois nem sempre sabemos das relações entre as contingências que controlam nosso comportamento) é um dos motivos pelos quais dizemos que nosso comportamento é movido por uma intenção interna. E este, por ser um comportamento reforçado e difundido na nossa sociedade, ganha cada vez mais importância e força. Após esta exposição fica claro que o Behaviorismo Radical não desconsidera a intenção; apenas a explica de maneira diferente, de acordo com o enfoque externalista. A intenção pode, desta forma, ser a função de um objeto, o reforçador de um determinado comportamento, explicada por reforçadores passados e ou história de vida; não sendo necessário recorrer-se a explicações internas, subjetivas, metafísicas ou fantasiosas.


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