Psicologia Social Fenomenológica

  A Fenomenologia...

  • é a resposta encontrada por Edmund Husserl, na primeira década do século XX para compreender como nós, humanos, podemos conhecer uma realidade que é exterior a nós e que é diferente de nós, chegando a um conhecimento absoluto do que estamos conhecendo?
  •  para chegarmos aos fundamentos verdadeiros do  conhecimento, nos questionarmos primeiro sobre como concebemos este mundo, inclusive porque esta concepção é um conhecimento. Assim começa a crítica de Husserl a este tipo de ciência: ela seria incapaz de alcançar aquilo a que se propõe, que é conhecer de fato a natureza, pois depende de algo anterior, mais radical, inclusive para que possa existir. 
  • Ao reduzir o todo às partes, por exemplo, perde-se o todo, cujas propriedades são diferentes. 
  • Para adaptar o mundo ao método científico fazemos as coisas deixarem de ser o que são para nós.
  •  O mundo como aparece na nossa experiência cotidiana, ou como o chama Husserl, o mundo-da-vida (ver abaixo) é transformado e colocado em oposição ao mundo físico, que seria na lógica objetiva, o verdadeiro mundo.
  • Husserl propõe então a fenomenologia, buscando uma filosofia sem pressuposições. Mas como isto seria possível? Através do retorno à consciência que temos das nossas próprias experiências e da consciência que temos de ter uma consciência.
  • realidade “eu penso” é inegável. O trabalho da fenomenologia, a possibilidade de uma ciência verdadeira seria então partir desta consciência para conhecer o mundo
  • Na verdade, sem a consciência, não perceberíamos nada do mundo; o mundo não existiria para nós e não o conheceríamos.
  •  Husserl não está negando a existência de um mundo real, mas afirmando que as coisas deste mundo só existem para mim e tem significado porque minha consciência se dirige a estas. Aqui surge uma noção fundamental da fenomenologia, que é a noção de intencionalidade, que permite a integração sujeito-objeto.  
Noções Fundamentais...

1. A Intencionalidade 
  •  A consciência é sempre ‘consciência de’, é sempre uma consciência que se dirige para as coisas. 
  • é uma estrutura básica da consciência que possibilita a relação entre esta e o objeto, entre o sujeito e o mundo.
  • Através dela doamos ativamente sentido ao mundo, que supera a si mesmo enquanto coisa, transcendendo sua existência real, justamente por ser apreendido em sua relação com a consciência. O mundo é então, para nós, fenômeno, assim como tudo mais. 
  • A própria consciência é para nós um fenômeno e não uma coisa. 
  •  Sujeito e objetos ficam inseparáveis. Sem qualquer um destes a consciência e o mundo seriam incompreensíveis (Gilles, 1975). 
  • Nessa perspectiva já não interessa mais saber o quanto nossa visão do mundo é verdadeira ou falsa, ou seja, corresponde ou não ao mundo real, fora de nós.
  •  O mundo que nos interessa é o mundo enquanto fenômeno, intencionado, pois se é este o mundo com o qual temos contato, é ele que precisamos conhecer. 
 2. O critério de verdade 
  •  Se, como coloca Gilles (1975:145), “...descobrirmos a realidade como esta se apresenta para nós humanos, aonde esta se encontra, ou seja, na nossa consciência intencional, chegando à essência da maneira humana de dar significado às coisas e conhecer seu mundo, conhecemos a realidade de uma forma totalmente verdadeira, suficiente e necessária para nós.” 
  • Ou seja, atingimos os critérios necessários para uma verdadeira ciência, chegamos a um conhecimento absoluto.
  •  Teremos uma descrição puraÉ o retorno às coisas mesmas, ou seja, às coisas intencionadas, os fenômenos, pois são estes que têm sentido para nós.
  • Diferentemente da lógica objetiva ou naturalista não nos fundamentamos no a priori universal que é o mundo-da-vida mas partimos de algo mais radical que o possibilita. 

 3. A ontologia regional 
  •  Podemos considerar a consciência como lidando com os objetos empiricamente mas também a consciência como algo anterior, transcendental, que constitui estes objetos.
  •  Aqui cabe distinguir noesis e noemas. 
    • As noesis são os atos com os quais a consciência visa algo, através da intencionalidade. Estes atos são a percepção, a imaginação, a especulação, dentre outros. O que é visado por estes atos são os noemas. 
    • “No nível empírico, as noesis são atos psicológicos e individuais para conhecer um significado independente deles. 
    • No nível transcendental, as noesis são os atos do sujeito constituinte que cria os noemas enquanto puras idealidades ou significações. 
    • As noesis empíricas são passivas pois visam uma significação pré-existente; 
    • as noesis transcendentais são ativas porque constituem as próprias significações ideais (Chauí, 1991)”. 
    • Assim sendo, quando o psicólogo naturalista reduz a ideia de um objeto à associação de percepções e sensações, ele está confundindo noema e noesis. Confunde os atos empíricos que o sujeito realiza para alcançar tal ideia com a própria ideia. 
    • Um noema qualquer, como por exemplo um cubo, pode ser visado por noesis diferentes, como pela percepção ou pela imaginação. 
    • Cada ato intencional vai me revelar uma parte da realidade deste cubo, uma região do ser deste. E o sentido que vou atribuir a este objeto, vai depender de como este foi visado. 
  • A fenomenologia é então uma ontologia regional pois o ser é estruturado diferentemente, de acordo com a maneira pela qual é visado pela consciência. 
  •  Viso cada objeto de maneira diferente, de acordo com o contexto ou horizonte no qual este se encontra, e também porque este objeto se apresenta a nós com suas características próprias, sua essência, que o faz diferente dos outros, único, reconhecível como aquele objeto e não como um outro. 
  • Podemos dizer que a ideia que temos de um objeto sintetiza as diferentes perspectivas que já visei deste. 
  • Na atitude natural nós acreditamos que esta ideia é idêntica ao objeto. Ele aparece para nós como algo total e fechado, o que permite sua imanência na nossa consciência. Mas este objeto, justamente por poder ser visado por outras noesis, tem sempre algo de inacabado e de desconhecido. 
  • Se podemos perceber uma mesma coisa de maneiras diferentes, a percepção, neste sentido, é sempre incompleta. Mas já que cada percepção tem o seu horizonte aperceptivo ou seja, é completada por nós com outros conteúdos que já apreendemos ou por pistas do contexto, sempre temos uma noção do objeto, da realidade, do nosso mundo, que é para nós total e completa, até que algo em nossa vivência do mundo venha nos mostrar outras perspectivas ou colocar em cheque nosso conhecimento deste mundo. 
  •  A fenomenologia, para chegar ao conhecimento do mundo, da essência dos fenômenos, parte do nosso mundo cotidiano de experiências, ou mundo-da-vida e o questiona através de uma redução bem diferente daquela do reducionismo mecanicista, que é chamada de redução fenomenológica da qual trataremos mais adiante. 
4. A atitude natural e o mundo da vida 
  • Como dissemos, Husserl parte da nossa própria experiência de existir, da evidência de que temos consciência de nós pelo próprio fluxo da nossa consciência, do qual não podemos duvidar (e mesmo se duvidarmos ainda assim estaremos ‘sendo’, teremos evidência, pois estaremos pensando) para construir uma ciência verdadeira.
  •  É a partir do estudo da nossa experiência cotidiana e do trabalho que nossa consciência faz para nos possibilitar lidar com o mundo, através da intencionalidade, que podemos conhecer o mundo enquanto mundo que faz sentido para nós.
  •  Mas quando estamos no nosso dia-a-dia, não ficamos pensando na nossa consciência como doadora de sentido ou questionando os objetos para encontrarmos sua essência. Admitimos o mundo como se apresenta a nós. Acordamos, trabalhamos, estudamos, namoramos, agimos como agimos porque agimos... Vivemos na chamada atitude natural, que é pragmática, utilitária e supostamente realista (Wagner, 1979). 
  • Vivemos em um mundo intuitivo cuja realidade, como aponta Berger (1979) é ordenada e dá sentido à nossa existência. É o mundo-da-vida, onde lidamos com pessoas, com nossos interesses, onde realizamos planos e temos nossas experiências cotidianas. 
  •  O mundo-da-vida é o mundo da cultura e o mundo da intersubjetividade. 
 5. A intersubjetividade e a cultura 
  •  O mundo-da-vida é um mundo ao mesmo tempo pessoal e coletivo. É um mundo que compartilho com os meus semelhantes. 
  • Ao nascer já entro em contato com um mundo que existia antes de mim, cujos habitantes, em sua história, desenvolveram seu modo particular de manipular a realidade e construíram nesta um certo sentido para sua existência, sentido este que os orienta em relação a seus projetos, dá finalidade a seus objetos e se relaciona com o significado dado a vários fenômenos com os quais convivem. Entro em contato com um mundo que já é um mundo da cultura. 
  • Minha consciência, ao trabalhar para constituir o mundo para mim, apreende esta cultura, através da intencionalidade e não mecanicamente. 
  • “O indivíduo faz esforços para compreender este mundo e como foi preestruturado cognitivamente” (Wagner, 1979) e utiliza este conhecimento para continuar se relacionando com o mundo. 
  •  “Essa visão do mundo contém não só a interpretação mais geral do lugar da comunidade entre outras comunidades humanas, e com relação aos reinos da natureza, do cosmo e do sobrenatural, como também a dos muitos costumes e normas que regulam a conduta humana e mais as muitas receitas de comportamento prático nos campos sociais e também nos técnicos.” 
  • Essa cultura passa a ter para mim um significado. E se torna então uma cultura compartilhada, constituída por minhas experiências vivenciais e também pelas experiências vivenciais do meu grupo, o que Husserl chamou de mundo circunstante. Cada cultura é uma cultura diferente da outra pois tem um mundo-da-vida que lhe é próprio. 
  • Podemos encontrar as especificidades de cada cultura, a estrutura global de significação que a fundamenta e é compartilhada por seus membros, ou então localizar estruturas semelhantes em culturas diferentes, sendo que as duas maneiras se complementam para que possamos compreender o mundo-da-vida na sua essencialidade.
  •  Constituo então, o meu mundo-da-vida, através do “...intercâmbio entre a pluralidade de constituições dos vários sujeitos existentes no mundo, realizado através do encontro que se estabelece entre eles.” (Husserl, citado por Gilles, 1975) 
  •  Reconhecemos o outro pelos seus movimentos, pelos sons de sua fala, pela sua semelhança com a percepção que temos de nós mesmo. 
  • A intersubjetividade
    •  se torna então algo fundamental para o meu próprio contato com o mundo. 
    • o contato com o outro, o compartilhar uma visão comum do mundo é possível pela significação coletiva atribuída ao mundo, mantida na história deste grupo e retomada por cada novo membro. É assim que se criam e se mantêm as tradições. 
    • A tradição tem seu sentido resinificado no presente, o que diminui a distância entre passado e o presente.
    •  Duas pessoas nunca vivenciam uma situação de uma mesma forma porque cada uma vive em sua própria situação histórica determinada. 
  • Cada situação com a qual nos deparamos está inserida em um contexto histórico e é me aparece com um sentido ‘x’ ou ‘y’ justamente porque minha maneira de constituir o mundo me faz vê-la assim. 
  • O presente depende do passado, pois é este que me coloca no presente e me permite lidar com ele, mas também depende do futuro, pois visando alcançar um certo futuro, um objetivo, também oriento minhas ações presentes. Mesmo o que planejo para o futuro depende de meu passado. Assim nossa experiência vai sempre estar inserida em um horizonte, que se estende ao passado e ao futuro. 
  •  Como diz Ricouer, o horizonte de espera: “...inclui a esperança, o medo, o desejo e o querer, a preocupação, o cálculo racional, a curiosidade, todas as manifestações privadas ou comuns que miram o futuro.
  •  A experiência de espera em relação ao futuro está inscrita no presente. É o futuro feito presente.”. (Ricouer, 1995:941) Os acontecimentos do passado não são simples fatos. Fazem parte de uma vivência que tem um significado e é esta vivência, com seu sentido, que determina o presente e o futuro. 
  •  Nos orientamos no mundo “...a partir da experiência que armazenamos e do estoque de conhecimentos que temos à mão” (Wagner, 1979). O mundo-da-vida é então coerente e me permite lidar com a realidade até que surjam contradições neste estoque. Quando estas se evidenciam me mobilizo para diminuí-las, eliminando-as ou ampliando meu mundo-da-vida para abarcá-las. 
  • A atitude natural é tipificada e nela nosso conhecimento dos objetos é parcial. Para chegarmos a essência destes precisamos refletir sobre este conhecimento. A fenomenologia faz isto através da redução fenomenológica.
6. Redução fenomenológica eidética e transcendental
  •  A redução fenomenológica, ou epoquê, e o recurso da fenomenologia para chegar ao fenômeno como tal ou à sua essência. 
  • Ela é uma suspensão da tese natural do mundo. 
  • É a colocação da existência efetiva do mundo exterior ou do entendimento do fenômeno dado pelo mundo da vida entre parênteses. Nos voltamos para o fenômeno deixando de lado qualquer concepção anterior que possamos ter sobre este, como preconceitos, na tentativa de compreendê-lo assim como é.
  • Podemos diferenciar dois tipos de redução fenomenológica: a eidética e a transcendental. 
  •  Na redução eidética...
    •  buscamos o significado ou a essência do objeto que estudamos.
    •  Podemos buscar por exemplo a essência do fenômeno amizade, a essência do que seja um livro, a essência do que vem a ser o psíquico, a essência de uma cultura, ou seja, a estrutura de sentido a partir do qual esta se constitui.
    •  É uma redução voltada para os objetos já intencionados pela consciência. 
  •  Na redução transcendental...
    •  visamos a essência da própria consciência e de seus atos, enquanto consciência que constitui o mundo. 
    • E enquanto consciência que se percebe, ou melhor, se constitui enquanto consciência. “Mediante sucessivas reduções, manifesta-se a intencionalidade psicológica com seus objetos, a intencionalidade transcendental, que pensa o mundo e o sentido do mundo, e, por fim, a intencionalidade criadora (idêntica ao movimento de redução), que faz o mundo aparecer” (pensadores). 
REFERENCIAS:
MONOGRAFIA: PSICOLOGIA SOCIAL FENOMENOLÓGICA: UM CAMINHO PARA O CONHECIMENTO RIGOROSO DAS RELAÇÕES ENTRE OS HOMENS E DESTES COM O MUNDO DANIEL MARINHO DRUMMOND

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