Capítulo III - O behaviorismo apresenta o comportamento simplesmente como um conjunto de respostas a estímulos, descrevendo a pessoa como um autômato, um robô, um fantoche ou uma máquina? Nádia Prazeres Pinheiro

É comum nós, analistas do comportamento, escutarmos que a nossa teoria “reduz o homem a uma máquina'’, que afirmamos que todo e qualquer comportamento obedece à lógica estimulo-resposta - o que seria uma afronta aos seres humanos, animais superiores e racionais, dotados de vontade própria e de livre arbítrio. 



“Descartes deu um passo importante ao sugerir que parte da espontaneidade das criaturas vivas era apenas aparente e, que, às vezes, o comportamento podia ser iniciado por uma ação externa” (Skinner, 1998, p.51).






E Skinner vai além... Para responder a esta critica, devemos primeiramente ter claro o que são comportamento reflexo e comportamento operante

No caso do reflexo, os estímulos seriam algum tipo de mudança externa que causaria estimulação orgânica que, por sua vez. provocaria uma resposta orgânica

Suas características são: ser inconsciente, ou seja. ocorre mesmo quando o sujeito não está percebendo; involuntário, ocorre independente da vontade do organismo, não há como controlá-lo ou evitar sua ocorrência por vontade própria e; pode ser previsto com grande precisão, considerando que, na presença do estímulo, a resposta sempre ocorrerá (Skinner, 1998)

São exemplos de comportamento reflexo, os casos da contração pupilar frente a um estimulo luminoso, da salivação frente a um prato de comida aparentemente apetitoso e do piscar quando algum objeto é passado na frente de nosso rosto ou olhos

"Os reflexos são produtos da seleção natural. Invariavelmente parecem estar envolvidos na manutenção da saúde e na promoção da sobrevivência e da reprodução” (Baum. 1999. p. 72). 

Os padrões de comportamentos reflexos são comuns a todos os membros de uma espécie e. por isso. podemos dizer que estão relacionados com a filogênese. Tais padrões começaram a se modificar e a evoluir na medida em que o organismo precisava se adaptar às mudanças do meio, já que. “só o processo evolutivo pode fornecer um mecanismo, pelo qual o indivíduo possa adquirir respostas a configurações particulares de um dado ambiente’' (Skinner, 1998. p. 60). 

Ora, se o ambiente no qual os organismos estavam inseridos sofreram modificações, eles, os organismos, também precisariam evoluir para permitir a sua sobrevivência e a manutenção de sua espécie. 

Os camaleões, por exemplo, quando em contato com um estimulo de perigo, mudam sua cor para se esconderem e serem confundidos com o seu esconderijo. Se isso não ocorresse, se esse reflexo não estivesse presente nesse animal, ele seria presa fácil e sua espécie poderia estar extinta. 

Da mesma maneira nós, os seres humanos, quando lacrimejamos para expulsar uma partícula de poeira é uma questão de sobrevivência para manutenção da espécie (Skinner, 1998). 

Se todos os nossos comportamentos se restringissem aos reflexos, poderíamos ser comparados às máquinas, pois nossos comportamentos sempre corresponderiam à relação causa e efeito. Entretanto, como afirma Skinner (1998). “A maior parte do comportamento do organismo intacto não está sob esse tipo de controle primário” (p. 54); a maioria dos nossos comportamentos são operantes. 

O comportamento denominado operante é aquele que opera sobre o meio, produzindo modificações no ambiente físico (natural) e no ambiente social (homens) (Skinner, 1998). Este comportamento é explicado pelo paradigma da tríplice contingência:

 S* - R - Sr. 
  • Onde Sd é o estimulo discriminativo.
  • R é a resposta 
  • Sr é o estímulo reforçador. 

Explicando cada um: Sd é um estimulo que sinaliza a possibilidade de reforçamento. Distinguindo-se do estimulo antecedente do reflexo, ele “não elicia a resposta, simplesmente altera sua probabilidade de ocorrência” (Skinner, 1998. p. 122). Com isso, pode-se concluir o porquê de não falarmos de certezas, e sim de probabilidades em comportamentos operantes, e que, portanto, não somos seres autômatos pois as respostas automáticas não são maioria em nosso repertório comportamental

Assim, podemos alterar a probabilidade de emissão de uma resposta modificando o estimulo discriminativo com o qual o organismo entrará em contato (Skinner, 1998). R é a resposta, a ação em si mesma. E S' é um estimulo conseqüente à resposta que determina a futura freqüência de emissão da mesma (Skinner, 1998). 

Quando a conseqüência é um Sr. a resposta tem uma maior probabilidade de voltar a acontecer, se não for reforçadora, ela (a resposta) terá sua probabilidade de ocorrência diminuída. Deste modo. o reforço cumpre a função de fortalecer uma determinada resposta e aumentar a eficiência da mesma: e é por isso que dizemos que o comportamento é selecionado pelas suas conseqüências, elas "podem retroagir sobre o organismo” (Skinner. 1998, p. 65).

 Ilustrando o paradigma operante. podemos recorrer ao comportamento de lavar as mãos quando estas estão sujas. Neste caso o Sc é "as mãos sujas”, R é “lavar as mãos” e Sr é “ter as mãos limpas”. 

Assim, toda vez que estiver frente ao estímulo mãos sujas, a probabilidade de lavar as mãos é maior do que a de qualquer outra resposta, visto que tal resposta foi anteriormente reforçada. 

“A história de reforçamento é que determina os efeitos de um evento atual, as conseqüências recebidas no passado alteraram o organismo de forma a ele agir de uma dada maneira frente a um evento” (Micbeletto, 1997, p. 127).

A esta história que é construída ao longo da vida dos indivíduos e que consiste, na verdade, na aquisição de repertórios comportamentais por meio [principalmente] do condicionamento operante chamamos ontogênese.

Desta forma, a ontogênese diz respeito à história particular de cada indivíduo, na medida em que todo homem interage com o ambiente de maneira singular. Sendo o comportamento operante uma parte da ontogênese, talvez a maior parte dela (Costa, 1996, p. 7-8).

Desde esse nível de determinação podemos perceber o quão único é o ser humano (tema que será abordado no capitulo XIV), ninguém vai ter os mesmos comportamentos (mesmo que sejam topograficamente semelhantes, não o serão funcionalmente) de outra pessoa. 

Haverá sempre algo de novo,o que dará a dimensão de que não podemos ser máquinas - estas são pré-programadas: nós não. estamos em constantes mudanças (cf. Micheletto. 1997). 

Partindo da própria definição de operante como o comportamento que é selecionado por suas conseqüências, já é possível refutar a crítica de que a concepção de comportamento adotada por Skinner obedece a uma lógica mecanicista. Afinal, não se trata de uma análise causal, na qual se busca uma causa para um efeito. 

Nas palavras de Skinner (1998), os "termos 'causa' e 'efeito': já não são usados em larga escala na ciência. Uma “causa" vem a ser “uma mudança em uma variável independente" e um “efeito" uma “mudança em uma variável dependente''. A antiga “relação de causa c efeito" transforma-se em uma "relação funcional". Os novos termos não sugerem como uma causa produz o seu efeito, meramente afirmam que eventos diferentes tendem a ocorrer ao mesmo tempo, em uma certa ordem (p. 24).

Uma análise funcional avalia contingências e estas são definidas como “relações de dependência entre eventos. Elas prescrevem a probabilidade de ocorrência de um dado evento em função da ocorrência de um outro evento” (Barros, 19%. p. 8). Retomando o modelo de seleção por conseqüência, como foi visto no capitulo anterior, o comportamento humano também é controlado pela cultura, como enfatiza Skinner (2002),

Podemos atribuir uma pequena parte do comportamento humano (...) à seleção natural e à evolução das espécies, uma parte do comportamento humano deve ser atribuída a contingências de reforçamento, especialmente às contingências sociais verdadeiramente complexas a que chamamos cultura (p. 41).

E complementa: o homem “se encontra controlado por seu ambiente, porém não devemos esquecer que é um ambiente, construido em grande parte pelo próprio homem” (Skinner, 1983a. p. 160). Isso quer dizer que o homem é controlado pelo próprio homem: é a sociedade, a nossa própria comunidade, que seleciona os comportamentos que devem ser emitidos

E mais. como disse Micheletto (1997). tenho meu comportamento reforçado pelo sucesso do meu próprio comportamento, somos “agentes controlados pelo efeito de nossa própria ação” (p. 118). Logo, sou fantoche de mim mesmo? 

Com certeza não! Nem fantoche do ambiente, nem fantoche de si mesmo, pois a noção de comportamento implica relação. Todos os comportamentos têm uma história. A história de reforçamento de cada um de nós. as nossas historias de vida, inseridos em uma determinada sociedade. E é dependendo de como e quando os indivíduos desta sociedade nos oferecem reforçadores ou punidores que poderemos nos comportar em um determinado contexto. Dizer que o comportamento humano é controlado por eventos externos não significa dizer que o homem é um autômato, um robô. um fantoche ou uma máquina.


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