A ALMA COLETIVA - do Livro: Psicologia das Massas de Sigmond Freud


Le  Bom mostra que a Psicologia não cumpriu cabalmente a sua tarefa e nem conseguiu esclarecer todos os nexos, e ainda que tivesse atingido esses objetivos, surgiria sempre um PROBLEMA NOVO, NÃO RESOLVIDO, já que a PSICOLOGIA procura nas AÇÕES e nas RELAÇÕES COM OS MAIS PRÓXIMOS os seguintes aspectos: As DISPOSIÇÕES, os IMPULSOS INSTINTUAIS, os MOTIVOS e as INTENÇÕES do Indivíduo.

Esse FATO NOVO, SURPREENDENDE que surge a partir do alinhamento do indivíduo com a multidão, leva o mesmo a adquiri a característica de MASSA PSICOLÓGICA, condição em que o indivíduo PENSA, SENTE E AGE DE MODO COMPLETAMENTE distinto do esperado.


Ele faz então três perguntas a serem refletidas:

1.     O que é então uma “massa”?
2.     De que maneira adquire ela a capacidade de influir tão decisivamente na vida psíquica do indivíduo?
3.     Em que consiste a modificação psíquica que ela impõe ao indivíduo?

psicologia teórica das massas, oriunda da OBSERVAÇÃO DA REAÇÃO ALTERADA DO INDIVÍDUO, oferece material para respondê-las à partir da terceira pergunta.

1º OBSERVAR A REAÇÃO ALTERADA DO INDIVÍDUO
2º DESCREVER AS REAÇÕES A SEREM EXPLCIADAS
3º EXPLICAR AS REAÇÕES

Le Bon diz : “O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte:

Quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massaos torna possuidores de uma espécie de alma coletiva.

Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente.

Certas ideias, certos sentimentos aparecem ou se transformam em atos apenas nos indivíduos em massa.

MASSA PSICOLÓGICA é um ser provisório, composto de elementos heterogêneos que por um instante se soldaram.

Observações feitas por FREUD sobre a exposição de Le Bom:
Se os INDIVÍDUOS DA MASSA estão ligados numa unidade, tem de haver algo que os une entre si, e este meio de ligação poderia ser justamente o que é característico da massa. Le Bon  lida apenas com a modificação do indivíduo na massa e a descreve em termos que harmonizam bastante com os pressupostos básicos de nossa psicologia profunda.

“Constata-se facilmente o quanto o indivíduo na massa difere do indivíduo isolado; mas as causas de tal diferença.  Para descobri-las é preciso recorrer à PSICOLOGIA MODERNA que diz:

Que não é apenas na vida orgânica, mas também no funcionamento da inteligência que os fenômenos inconscientes têm papel preponderante.

A VIDA CONSCIENTE DO ESPÍRITO não representa senão uma pequenina partecomparada à sua vida inconsciente e que apenas um número pequeno dos móveis inconscientes que conduz o indivíduo é descoberto.

Nossos atos conscientes derivam de um substrato inconsciente com resíduos ancestrais que constituem a alma da raça.

Por trás das CAUSAS CONFESSAS DE NOSSOS ATOS, há sem dúvida CAUSAS SECRETAS QUE NÃO CONFESSAMOS, mas por trás dessas causas secretas HÁ OUTRAS, BEM MAIS SECRETAS ainda, pois NÓS MESMOS A IGNORAMOS.

A maioria de nossos atos cotidianos é resultado de móveis ocultos que nos escapam.

Na massa, acredita Le Bom:

1.     as aquisições próprias dos indivíduos se desvanecem, e com isso desaparece sua particularidade.

2.     O inconsciente próprio da raça ressalta, o heterogêneo submerge no homogêneo.

3.     A SUPER ESTRUTURA PSÍQUICA, que se desenvolveu de modo tão diverso nos indivíduos, é desmontada, debilitada, e o fundamento inconsciente comum a todos é posto a nu (torna-se operante).

Dessa maneira se produziria um caráter mediano dos indivíduos da massa.

Mas conforme Le Bon BUSCA AS RAZÕES para o SURGIMENTO DE CARACTERÍSTICAS NOVAS  em três fatores:

1.     “O primeiro é que o indivíduo na massa adquire, pelo simples fato do número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que, estando só, ele manteria sob controle. E cederá com tanto mais facilidade a eles, porque, sendo a massa anônima, e por conseguinte irresponsáveldesaparece por completo o sentimento de responsabilidade que sempre retém os indivíduos.” Não precisamos, em nosso ponto de vista, atribuir muito valor à emergência de novas características. Basta-nos dizer que na massa o indivíduo está sujeito a condições que lhe permitem se livrar das repressões dos seus impulsos instintivos inconscientes. As CARACTERÍSTICAS APARENTEMENTE NOVAS, que ele então apresenta, são justamente AS MANIFESTAÇÕES DESSE INCONSCIENTE, no qual se acha contido, em predisposiçãotudo de mau da alma humana. Não é difícil compreendermos o esvaecer da consciência ou do sentimento de responsabilidade nestas circunstâncias. Há muito afirmamos que o cerne da chamada CONSCIÊNCIA MORAL consiste no “MEDO SOCIAL”.

2.     Uma segunda causa, o CONTÁGIO MENTAL, intervém igualmente para determinar a manifestação de características especiais nas massas e a sua orientação. Para explicar o contágio é preciso relacionar aos fenômenos de ordem hipnótica que adiante estudaremos. 
    
    Numa massa, todo sentimentotodo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo. Eis uma aptidão contrária à sua natureza, de que o homem só se torna capaz enquanto parte de uma massa” . Sobre esta última frase vamos fundamentar, mais adiante, uma importante conjectura.

3.     “Uma terceira causa, de longe a mais importantedetermina nos indivíduos da massa características especiais, às vezes bastante contrárias às do indivíduo isolado. Refiro-me à SUGESTIONABILIDADE, de que o contágio mencionado acima é apenas um efeito. 

  “Para compreender esse fenômeno, é preciso ter em mente algumas descobertas recentes da fisiologia. Sabemos hoje que um indivíduo pode ser posto, num estado tal que, tendo perdido sua personalidade conscienteele obedece a todas as sugestões do operador que a fez perdê-la, e comete os atos mais contrários a seu caráter e a seu costume

  Ora, observações atentas parecem provar que o indivíduo, mergulhado há algum tempo no seio de uma massa ativa, logo cai — em consequência de eflúvios que dela emanam, ou por outra causa ainda ignorada — num estado particular, aproximando-se muito do estado de fascinação do hipnotizado nas mãos do hipnotizador […].   

   A personalidade consciente se foi, a vontade e o discernimento sumiramSentimentos e pensamentos são então orientados no sentido determinado pelo hipnotizador“Tal é, aproximadamente, o estado de um indivíduo que participa de uma massa. Ele não é mais consciente de seus atosNele, como no hipnotizado, enquanto certas faculdades são destruídasoutras podem ser levadas a um estado de exaltação extrema. 

  A influência de uma sugestão o levará, com irresistível impetuosidade, à realização de certos atos. Impetuosidade ainda mais irresistível nas massas que no sujeito hipnotizado, pois a sugestão, sendo a mesma para todos os indivíduos, exacerba-se pela reciprocidade” Portanto as principais características do INDIVÍDUO DE MASSA são:

a.     Esvanecimento da personalidade consciente.
b.     Predominância da personalidade inconsciente
c.     Orientação por via de sugestão e de contágio dos sentimentos e das ideias num mesmo sentido.
d.     Tendência a transformar imediatamente em atos as ideias sugeridas.

Ele não é mais ele mesmo, mas um autômato cuja vontade se tornou impotente para guiá-lo.

Le Bon realmente designa o estado do indivíduo na massa como hipnótico, não se limita apenas a compará-lo com este. Freud não pretende contradizê-lo, mas somente destacar que as duas últimas causas da modificação do indivíduo na massa, o contágio e a maior sugestionabilidade, evidentemente não são do mesmo tipo, pois o contágio deve ser também uma manifestação da sugestionabilidade

De qualquer modo ele distingue esta INFLUÊNCIA FASCINADORA, deixada na penumbra, e o EFEITO CONTAGIOSO DOS INDIVÍDUOS ENTRE SI, que vem a fortalecer a sugestão original.

Eis ainda uma consideração importante para julgar o indivíduo da massa: “Portanto, pelo simples fato de pertencer a uma massa, o homem desce vários degraus na escala na civilização.

Isolado, ele era talvez um indivíduo cultivadona massa é um instintivo, e em consequência um bárbaro. Tem a espontaneidade, a violência, a ferocidade, e também os entusiasmos e os heroísmos dos seres primitivos”

 Ele então se detém especialmente na diminuição da capacidade intelectual, experimentada pelo indivíduo que se dissolve na massa.

Deixemos agora o indivíduo e nos voltemos para a DESCRIÇÃO DA ALMA DE MASSA,tal como Le Bon a delineia.

 Nela não há traço algum que um psicanalista não consiga derivar e situar. O próprio Le Bon nos mostra o caminho, ao apontar a coincidência com a vida anímica dos povos primitivos e das crianças.

 A massa é impulsiva, volúvel e excitável. É guiada quase exclusivamente pelo inconsciente.

Os impulsos a que obedece podem ser, conforme as circunstânciasnobres ou cruéis, heroicos ou covardes, mas, de todo modo, são tão imperiosos que nenhum interesse pessoal, nem mesmo o da autopreservação, se faz valer

Nada nela é premeditado. Embora deseje as coisas apaixonadamente, nunca o faz por muito tempo, é incapaz de uma vontade persistenteNão tolera qualquer demora entre o seu desejo e a realização dele. Tem o sentimento da onipotência; a noção do impossível desaparece para o indivíduo na massa.

A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acríticao improvável não existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente, como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm sua coincidência com a realidade medida por uma instância razoável. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza.

Ela vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem.

Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa.

Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade.

Ela RESPEITA A FORÇA, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela BONDADE, que para ela é uma espécie de fraquezaO que ela exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores.

 No fundo inteiramente conservadoratem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição.

Para julgar corretamente a moralidade das massas, deve-se levar em consideração que, ao se reunirem os indivíduos numa massatodas as inibições individuais caem por terra e todos os instintos* cruéis, brutais, destrutivos, que dormitam no ser humano, como vestígios dos primórdios do tempo, são despertados para a livre satisfação instintiva. 

Mas as massas são também capazes, sob influência da sugestãode elevadas provas de renúncia, desinteresse, devoção a um ideal. Enquanto a vantagem pessoal, no indivíduo isolado, é quase que o único móvel de ação, nas massas ela raramente predomina. Pode-se falar de uma moralização do indivíduo pela massa.

Enquanto a capacidade intelectual da massa está bem abaixo daquela do indivíduo, sua conduta ética tanto pode ultrapassar esse nível como descer bem abaixo dele.

Alguns outros traços, na caracterização de Le Bon, lançam uma clara luz sobre a validez de identificar a alma da massa com a dos povos primitivos.

Nas massas as IDEIAS OPOSTAS podem coexistir e suportar umas às outras, sem que resulte um conflito de sua contradição lógica.

O mesmo sucede, porém, na vida anímica inconsciente dos indivíduosdas crianças e dos neuróticos, como há muito demonstrou a psicanálise.

 Além disso, a massa está sujeita ao poder verdadeiramente mágico das palavras, que podem provocar as mais terríveis tormentas na sua alma também apaziguá-las “

RAZÃO e os ARGUMENTOS não sabem lutar contra certas palavras e certas fórmulas. Proferidas com solenidade diante da massa, imediatamente os rostos se tornam respeitosos e as cabeças se inclinam. Muitos as consideram forças da natureza, poderes sobrenaturais” Quanto a isso, basta lembrar o tabu dos nomes entre os primitivos, as forças mágicas que para eles estão ligadas a nomes e palavras.

E por fim, as massas nunca tiveram a SEDE DA VERDADE. Requerem ilusões, às quais não podem renunciar.

Nelas o irreal tem primazia sobre o real, o que não é verdadeiro as influencia quase tão fortemente quanto o verdadeiro. Elas têm a visível tendência de não fazer distinção entre os dois.Já mostramos que essa predominância da vida da fantasia, e da ilusão sustentada pelo desejo não realizado, é algo determinante na psicologia das neuroses.

Descobrimos que o que vale para os neuróticos não é a realidade objetiva comum, mas a realidade psíquica. Um sintoma histérico se baseia na fantasia, em vez de na repetição da vivência real, a consciência de culpa da neurose obsessiva, no fato de uma má intenção que jamais se realizou.

Como no sonho e na hipnose, na atividade anímica da massa a prova da realidade recua, ante a força dos desejos investidos de afeto.

 Le Bon acredita que, quando seres vivos se reúnem em determinado número, seja um rebanho de animais ou um grupamento de homens, instintivamente se colocam sob a autoridade de um chefe.

A massa é um rebanho dócil, que não pode jamais viver sem um senhor. Ela tem tamanha sede de obediência, que instintivamente se submete a qualquer um que se apresente como seu senhor. Assim, as necessidades da massa a tornam receptiva ao líder, mas este precisa corresponder a ela com suas características pessoais.

 Ele próprio tem de estar fascinado por uma forte crença (numa ideia), para despertar crença na massa; ele tem de possuir uma vontade forte, imponente, que a massa sem vontade vai aceitar.

Le Bon discute então os diferentes tipos de líder, e os meios pelos quais atuam sobre a massa.

No conjunto, entende que os líderes adquirem importância pelas ideias de que eles mesmos são fanáticos. A estas ideias, assim como aos líderes, atribui igualmente um poder misterioso, irresistível, que ele chama de “prestígio”.

O prestígio é uma espécie de domínio que uma pessoa, uma obra ou uma ideia exerce sobre nós QUE:

1.     Paralisa toda a nossa capacidade crítica
2.     Nos enche de espanto e respeito.
3.     Provocaria um sentimento semelhante ao do fascínio na hipnose.
4.     Distingue o prestígio adquirido ou artificial e o pessoal.
a.      Prestígio adquirido ou artificial -  é dado às pessoas pelo nome, a riqueza, a reputação, e conferido às concepções, obras de arte etc. pela tradição. Como em todos os casos ele remonta ao passado, pouco ajudará na compreensão dessa misteriosa influência.
b.      O prestígio pessoal existe em poucas pessoas que através dele se tornam líderes, e faz com que todos a elas obedeçam, como sob o efeito de um encanto magnético. Mas todo prestígio depende também do sucesso, e é perdido com o fracasso.

Nota: “As considerações de Le Bon sobre o papel do líder e a importância do prestígio não nos parecem se harmonizar com a sua brilhante descrição da alma coletiva.”

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