sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Psicologia e Luto - Modelo do Processo Dual


Visão biopsicossocial do Luto

O luto é uma reação esperada diante de uma grande perda, um rompimento de vínculo significativo, que causa uma transição biopsicossocial, englobando a pessoa como um todo, físicamente, psicologicamente e o socialmente. No trabalho do luto, a pessoa, consciente da realidade da perda, reconstrói significados e se reorganiza diante de uma nova existência.

Pensamentos, sentimentos, sensações e movimentos são mecanismos de tomadas de consciência a respeito de algo que estamos experineciando, seja com um ente querido, seja conosco mesmo. Tudo isso, se manifesta a partir das sensações e percepções que temos ao lidar comdeterminadas situações.

É importante saber de forma consciente sobre a propria experiência, particular e individual,  tal como as perdas que já se teve na vida, quais as crenças que compactua, além de atentar sobr eo tempo e espaço contemporâneo, onde inclui suas experiências e o mundo compatilhado.

É sabido que a sociedade ocidental tem raízes profundamente cristãs, e ainda que não acredite em vida após a morte, essas raízes é o que norteia grande parte da moral e ética ocidental até hoje. Tudo isso precisa ser levado em consideração para se ter uma compreensão mais ampla do luto de modo crítico e complexo.

Segundo Parkes (1998), ao perdermos uma pessoa querida, o nosso mundo presumido é abalado, ou seja, o mundo que conquistamos e  conhecemos, o que sabemos ou pensamos saber, nossa interpretação do passado, nossa visão de futuro, tudo iso é profundamente abalado. Ao perder um ente querido, o mundo presumido muda e um novo mundo presumido será construído a partir de então.

 A compreensão do luto no século XXI...

Os primeiros estudos sobre o luto falavam em uma proposta de desligamento, de afastamento da pessoa falecida, dando ênfase à expressão dos sentimentos (destaque para os estudos de Freud no início do século XX e de Bowlby no final do mesmo século)

Atualmente,  estuda-se o luto a partir de uma perspectiva de construção de significado e também se ressalta a possibilidade de se manter vínculo com a pessoa falecida, uma oposição clara à ideia de que era necessária alguma espécie de desligamento ou afastamento do ente querido.

 O Modelo do Processo Dual.

  • É um novo modelo de compreensão dos fenômenos presentes no processo de luto, que realiza uma revisão bastante interessante nas concepções teóricas.
  • o tem encontrado fundamento na pesquisa e na prática clínica
  •  questiona aspectos considerados ultrapassados, tais como:
    •  teorias com definições imprecisas, com dificuldade em considerar o luto como processo dinâmico, com foco exclusivo nas consequências na saúde (se o enlutado tem maior risco de morte, transtorno, etc. com foco no intrapsíquicos (como se pessoa vivesse em uma “bolha”, esquecendo de que ela está num mundo, que têm ou não relações sociais e afetivas que impactam, que faz parte de uma cultura que possibilita maior ou menor compartilhamento de sofrimento).
    • A cultura é uma das grandes críticas atuais a alguns estudos ultrapassados: a falta de evidência empírica e de validação em diferentes culturas e períodos históricos.
  • se baseia pela identificação de dois tipos de fatores estressores
    •  os estressores orientados para a perda 
    • os orientados para a restauração. 
  • A partir desses dois aspectos, o modelo dual: 
    • considera a existência de um processo dinâmico e regulador do enfrentamento, entendendo que há uma oscilação por meio da qual o enlutado pode às vezes confrontar e às vezes evitar as diferentes tarefas do luto. 
    •  propõe que o enfrentamento adaptativo é composto de confrontação/evitação da perda, a par com necessidades de restauração.
  • Enfatiza o enfrentamento para a compreensão do processo de luto. O processo de adaptação e construção de significado ocorre a partir do:
    – Enfrentamento orientado para a perda
    • Foca na busca pela pessoa perdida e está centrada nos aspectos relacionados a pessoa falecida: laços afetivos, negação e evitação da realidade da morte, bem como, a aceitação da realidade da perda, elaboração do luto, rememorar, ver fotografias, falar sobre o ente querido morto, anseio por sua proximidade.
    • Inclui-se nesse enfrentamento a ruminação, ou seja, sobre como seria a vida se ele não tivesse morrido e as circunstâncias e eventos diante da morte.
    • Engloba a saudade e também como ele reagiria se estivesse vivo em determinado evento. 
    • Chorar pela morte também está no enfrentamento voltado para a perda.
  • – Enfrentamento orientado para a restauração
    • refere-se aos ajustamentos recorrentes à perda e que constituem fontes de estresse com as quais as pessoas em situação de luto precisa lidar, como:
      •  responder às mudanças de reorganização da vida após a morte do ente querido
      •  quando o enlutado precisa assumir as tarefas que eram realizadas pela pessoa que morreu.
      •  Lidar com os arranjos da vida sem o ser amado.
      • Retomar as próprias tarefas do dia a dia, fazer coisas novas, se distrair (se divertir não é trair o morto, é parte da vida, o enlutado tem o direito de sorrir). 
      • Sugere-se assistir a um filme, sair com amigos, passeiar, viajar, fazer contato social de uma forma geral.
      •  A pessoa enlutada desenvolve uma nova identidade
        • a esposa que perdeu o marido, agora é viúva.
        •  E quem perdeu o filho? Pai órfão de filho? Mãe órfã de filho?  
  • – A oscilação entre um e outro.
    • é a alternância entre um e outro. Em um momento a pessoa está voltada para a perda e em outro ela está voltada a restauração. 
    • A oscilação é um processo necessário. Quem fica apenas na orientação voltada para a perda ou apenas na orientação voltada para a restauração não está elaborando um luto saudável.
      • A pessoa que permanece excessivamente voltada para a perda, tem mais dificuldade na elaboração do luto. 
      • A que fica excessivamente voltado para a restauração, não entra em contato com a perda, evitando sentimentos voltados à perda, acreditam que entrar em contato com esses sentimentos seja insuportável.
    • A oscilação é saudável, ela é necessária para que possa haver uma reorganização diante da nova realidade, a construção de um novo mundo presumido, abalado com a perda do ente querido.

  • trata-se de um processo cognitivo de enfrentamento da perda que consiste em construir estratégias e estilos de gerenciamento da situação de luto, o que acontece no dia a dia, incluindo tarefas simples de vida da pessoa em luto, como assistir TV, ler um livro, conversar com amigos, etc. Tudo visando reduzir danos à saúde física e mental da pessoa.
  • As estratégias de enfrentamento ajudam a pessoa a adaptar-se a situação vivenciada e estas respostas administram a crise para tolera-la e diminuir o estresse ocasionado.
No Modelo Dual do luto...

... ao aceitar a realidade da perda, a pessoa aceita que o seu mundo foi transformado. 
... o enlutado experimenta a dor da perda e também tem tempo livre para outras atividades que necessitam ser realizadas. 
...o enlutado ajusta a vida sem o seu ente querido falecido e repetimos, isso não é trair a memória do morto, não é esquecê-lo, é ajustar a vida sem a presença do ente querido que morreu.

Na vida cotidiana durante o luto, as pessoas oscilam entre:

  •  se concentrar em aspectos da perda (a dor de viver sem a pessoa, a angústia, as dificuldades) 
  • se concentrar nos aspectos da restauração (envolver-se em novos papéis e identidades devido à perda),
  •  e em outras ocasiões estão simplesmente envolvidos na experiência da vida cotidiana. 



O luto...
  • é um sentimento individual
  • não existe um tempo para passar por ele
  • sua elaboração não significa esquecer o ente querido,mas que mesmo a perda sendo para sempre, a pessoa consegue retomar as suas atividades cotidianas
  •  não será mais a mesma pessoa, ela precisa se reestruturar com o novo mundo que tem agora
  • ao elaborar o luto, a vida fica mais voltada a restauração, mas não deixará de vivenciar a perda também. 
  • As oscilações serão menores, mas ainda acontecerão.


Referências:

FRANCO, M. H. P. O luto como experiência vital. 2009. Disponível em: https://www.4estacoes.com/pdf/textos_saiba_mais/luto_como_experiencia_vital.pdf. 

GRANEK L. Grief as pathology: The evolution of grief theory in psychology from Freud to the present. Hist Psychol. 2010 Feb;13(1):46-73. doi: 10.1037/a0016991. 

HANSSON, O. R., & STROEBE, M. S. Bereavement in late life. Coping, adaptation and developmental Influences. Washington, DC: American Psychological Association, 2007 

KOVACS, M. J. (Coord). Morte e existência humana: caminhos e possibilidades de intervenção. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. 

KOVÁCS, M.J. Morte e Desenvolvimento Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. 

KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes; 1985 

MAZORRA, L; A construção de significados atribuídos à morte de um ente querido e o processo de luto. 2009. 265 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/15837. Acesso em 10 jan 2021.

https://umavisaobiopsicossocialdoluto.wordpress.com/2015/07/07/15/








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