O Pensamentos de Auguste Comte



Auguste Comte nasceu em Montpellier, França, a 19 de janeiro de 1798, filho de um fiscal de impostos. Suas relações com a família foram sempre tempestuosas e contêm elementos explicativos do desenvolvimento de sua vida e talvez até mesmo de certas orientações dadas às suas obras, sobretudo em seus últimos anos. Frequentemente, Comte acusava os familiares (à exceção de um irmão) de avareza, culpando-os por sua precária situação econômica. O pai e a irmã, ambos de saúde muito frágil, viviam reclamando maior participação de Auguste em seus problemas. A mãe apegou-se a ele de forma extremada, solicitando sua atenção “da mesma maneira que um mendigo implora um pedaço de pão” para sobreviver, como diz ela em carta ao filho já adulto. Tão complexos laços familiares foram afinal rompidos por Comte, mas deixaram-lhe marcas profundas. 

Com a idade de dezesseis anos, em 1814, Comte ingressou na Escola Politécnica de Paris, fato que teria significativa influência na orientação posterior de seu pensamento. Em carta de 1842 a John Stuart Mill (1806-1873), Comte fala da Politécnica como a primeira comunidade verdadeiramente científica, que deveria servir como modelo de toda educação superior. A Escola Politécnica tinha sido fundada em 1794, como fruto da Revolução Francesa e do desenvolvimento da ciência e da técnica, resultante da Revolução Industrial. Embora permanecesse por apenas dois anos nessa escola, Comte ali recebeu a influência do trabalho intelectual de cientistas como o físico Sadi Carnot (1796-1832), o A matemático Lagrange (1736-1813) e o astrônomo Pierre Simon de Laplace (1749-1827). Especialmente importante foi a influência exercida pela Mecânica Analítica de Lagrange: nela Comte teria se inspirado para vir a abordar os princípios de cada ciência segundo uma perspectiva histórica.  Em 1816, a onda reacionária que se apoderou de toda a Europa, depois da derrota de Napoleão e da Santa Aliança, repercutiu na Escola Politécnica. Os adeptos da restauração da Casa Real dos Bourbon conseguiram o fechamento temporário da Escola, acusando-a de jacobinismo. 

Comte deixou a Politécnica e, apesar dos apelos insistentes da família, resolveu continuar em Paris. Nesse período sofreu as influências dos chamados “ideólogos”: Destutt de Tracy (1754-1836), Cabanis (1757-1808) e Volney (1757-1820). Leu também os teóricos da economia política, como Adam Smith (1723-1790) e Jean-Baptiste Say (1767-1832), filósofos e historiadores como David Hume (1711-1776) e William Robertson (1721-1793). 

O fator mais decisivo para sua formação foi, porém, o estudo do Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano, de Condorcet (1743-1794), ao qual se referiria, mais tarde, como “meu imediato predecessor”. A obra de Condorcet traça um quadro do desenvolvimento da humanidade, no qual os descobrimentos e invenções da ciência e da tecnologia desempenham papel preponderante, fazendo o homem caminhar para uma era em que a organização social e política seria produto das luzes da razão. Essa ideia tornar-se-ia um dos pontos fundamentais da filosofia de Comte.

Os três temas básicos 

O núcleo da filosofia de Comte radica na ideia de que:

A sociedade só pode ser convenientemente reorganizada através de uma completa reforma intelectual do homem. 

Comte achava que antes de uma reforma das instituições, seria necessário fornecer aos homens novos hábitos de pensar de acordo com o estado das ciências de seu tempo. 

Por essa razão, o sistema comteano estruturou-se em torno de três temas básicos.


  1. Em primeiro lugar, uma filosofia da história com o objetivo de mostrar as razões pelas quais uma certa maneira de pensar (chamada por ele filosofia positiva ou pensamento positivo) deve imperar entre os homens. 
  2. Em segundo lugar, uma fundamentação e classificação das ciências baseadas na filosofia positiva.
  3. Finalmente, uma sociologia que, determinando a estrutura e os processos de modificação da sociedade, permitisse a reforma prática das instituições. A esse sistema deve-se acrescentar a forma religiosa assumida pelo plano de renovação social, proposto por Comte nos seus últimos anos de vida. 
O progresso do espírito

Para Comte a filosofia da história pode ser sintetizada na sua célebre lei dos três estados. 

Todas as CIÊNCIAS e o ESPÍRITO HUMANO como um todo desenvolvem-se através de três fases distintas: a teológica, a metafísica e a positiva. 

 COMTE E O  ESTADO TEOLÓGICO
  • Poucas observações dos fenômenos e, por isso, a imaginação desempenha papel de primeiro plano. 
  • Diante da DIVERSIDADE DA NATUREZA, o homem só consegue explicá-la mediante a crença na intervenção de seres pessoais e sobrenaturais. 
  • O mundo torna-se compreensível somente através das ideias de deuses e espíritos. 
  • A MENTALIDADE TEOLÓGICA visa a um tipo de compreensão absoluta; o homem, nesse estágio de desenvolvimento, acredita ter posse absoluta do conhecimento e desempenha relevante papel de COESÃO SOCIAL, fundamentando a VIDA MORAL.
  • Confiavam em PODERES IMUTÁVEIS, fundados na AUTORIDADE
  • Divide o estado teológico em três períodos sucessivos: 
FETICHISMO (Uma vida espiritual, semelhante à do homem, é atribuída aos seres naturais),
POLITEÍSMO (O politeísmo esvazia os seres naturais de suas vidas anímicas — tal como concebidos no estágio anterior — e atribui a animação desses seres não a si mesmos, mas a outros seres, invisíveis e habitantes de um mundo superior.)
MONOTEÍSMO (a distância entre os seres e seus princípios explicativos aumenta ainda mais; o homem, nesse estágio, reúne todas as divindades em uma só.
  • A fase teológica monoteísta representaria, no desenvolvimento do espírito humano, uma etapa de transição para o estado metafísico
  • O espírito humano, inicialmente, concebe “forças” para explicar os diferentes grupos de fenômenos, em substituição às divindades da fase teológica. Fala-se então de uma “força física”, uma “força química”, uma “força vital”
                          COMTE E O  ESTADO METAFÍSICO

Segundo Comte, os pontos de contato entre teológicos e metafísicos são:
  • Ambos tendem à procura de soluções absolutas para os problemas do homem: a metafísica, tanto quanto a teologia, procura explicar:  a “natureza íntima” das coisas, sua origem e destino últimos, bem como a maneira pela qual são produzidas
DIFERENÇA ENTRE O ESTADO TEOLÓGICO E METAFÍSICO
  •  reside no fato de a METAFÍSICA colocar o ABSTRATO no lugar do CONCRETO e a ARGUMENTAÇÃO no lugar da IMAGINAÇÃO. 
  • o estado metafísico se caracterizaria fundamentalmente pela dissolução do teológicoA argumentação, penetrando nos domínios das ideias teológicas, traria à luz suas contradições inerentes e substituiria a vontade divina por “ideias” ou “forças”.
  • A metafísica destruiria a ideia teológica de subordinação da natureza e do homem ao sobrenatural.
  • Na esfera política, o espírito metafísico corresponderia a uma substituição dos reis pelos juristas; supondo-se a sociedade como originária de um contrato, tende-se a basear o Estado na soberania do povo. 
O pensamento positivo

 O estado positivo caracteriza-se pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação

Comte não defende um empirismo puro, ou seja, a redução de todo conhecimento à apreensão exclusiva de fatos isolados. 

  • A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (procedimento teológico ou metafísico) e torna-se pesquisa de suas leis, entendidos como relações constantes entre fenômenos observáveis
  • Quando procura conhecer fenômenos psicológicos, o espírito positivo deve visar às relações imutáveis presentes neles — c
  • A filosofia positiva, ao contrário dos estados teológico e metafísico, considera impossível a redução dos fenômenos naturais a um só princípio (Deus, natureza ou outro equivalente). 
  • A experiência nunca mostra mais do que uma limitada interconexão entre determinados fenômenos. 
  • Cada ciência ocupa-se apenas com certo grupo de fenômenos, irredutíveis uns aos outros. A unidade que o conhecimento pode alcançar seria, assim, inteiramente subjetiva, radicando no fato de empregar-se um mesmo método, seja qual for o campo em questão: uma idêntica metodologia produz convergência e homogeneidade de teorias. Essa unidade do conhecimento não é apenas individual, mas também coletiva; isso faz da filosofia positiva o fundamento intelectual da fraternidade entre os homens, possibilitando a vida prática em comum. A união entre a teoria e a prática seria muito mais íntima no estado positivo do que nos anteriores, pois o conhecimento das relações constantes entre os fenômenos torna possível determinar seu futuro desenvolvimento. O conhecimento positivo caracteriza-se pela previsibilidade: “ver para prever” é o lema da ciência positiva. A previsibilidade científica permite o desenvolvimento da técnica e, assim, o estado positivo corresponde à indústria, no sentido de exploração da natureza pelo homem. Em suma, o espírito positivo, segundo Comte, instaura as ciências como investigação do real, do certo e indubitável, do precisamente determinado e do útil. Nos domínios do social e do político, o estágio positivo do espírito humano marcaria a passagem do poder espiritual para as mãos dos sábios e cientistas e do poder material para o controle dos industriais. Do simples ao complexo A classificação das ciências — segundo tema básico da filosofia comteana — vincula-se à filosofia da história. Ao traçar o mapa do desenvolvimento histórico do espírito, em sua caminhada para a apreensão da realidade, Comte mostra que a evolução de cada ciência obedece à periodização dos três estados, mas que essa periodização não se faz ao mesmo tempo em todos os domínios.

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