Ideações e tentativas de Suicídio em Adolescentes com Práticas Sexuais Hetero e Homoeróticas.

 O Artigo...
  • buscou conhecer as associações entre orientação sexual e ideações e tentativas de suicídio.
  • evidenciou-se que os não heterossexuais têm mais chances de pensarem e tentarem suicídio, comparativamente aos heterossexuais. 
  •  dentre o grupo de adolescentes que se assumiram não heterossexuais, os que estão mais vulneráveis são aqueles que se autodefiniram bissexuais e “outros”, os quais constituem o grupo de pessoas menos assumidas, dentre os não heterossexuais.
  • constatou-se que os respondentes apresentam diversas opiniões e valores homofóbicos, sexistas e heterocentrados, o que revela ser o espaço escolar, onde se encontram esses jovens não heterossexuais, bastante carregado de posicionamentos discursivos discriminatórios.
  •  a questão do suicídio é uma problemática de saúde pública
  •  jovens não heterossexuais necessita de abordagens específicas para a prevenção e de atenção relativas a essa conduta.
  •  estudos sobre as homossexualidades não desconsideram as implicações das normas sexuais na construção das identidades lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBTs)
Segundo Katz (1996) e Spencer (2004) a Heterossexualidade...

  •   passou a ser sinônimo de normalidade apenas em fins do século XIX, quando se construiu o discurso de que ela seria a forma ideal de felicidade amorosa e erótica, em oposição à homossexualidade. 
  •  tornou-se referência legítima dos desejos, ideais, princípios e valores (heteronormatividade)um sentimento de superioridade em relação a todas as outras manifestações plurais das sexualidades (heterossexismo)
Cardoso (2003) - Heterossexismo...

  • assume que o heterossexismo é um mito e, como tal, uma inverdade que “explica o mundo do desejo e do amor e, principalmente, [ele] garante a estabilidade das coisas
  • – o heterossexismo justifica uma ordem moral intocável; intocável porque não é questionada, não é avaliada; é aceita como um mito, uma verdade óbvia, natural e universal.
Moreno (1999) e Welzer-Lang (2001) - Sexismo...
  • e a suposta superioridade dos homens (biologicamente falando) em relação às mulheres, o qual pode se desdobrar, por exemplo, no machismo. 
Homofobia...
  •  é entendida como o medo ou o descrédito quanto às pessoas homossexuais ou àqueles que são presumidos o serem, bem como a tudo que faça referência aos atributos, esperados para um sexo, encontrados em outro sexo (Welzer-Lang, 2001). Segundo Tin (2003)
  • pode igualmente se voltar à própria pessoa homossexual, já que imprime sobre o sujeito uma negatividade em relação à homossexualidade e às pessoas homossexuais (Eribon, 2008)
  •  é um dispositivo de controle, no sentido foucaultiano (Foucault, 1988)
  • busca afastar todo e qualquer questionamento ou desestabilização da naturalização da norma(lidade) da conduta heterossexual, fundando, dessa forma, bases para o reforço do binarismo dos gêneros, o qual se aprende (Clauzard, 2002)
  • promove uma percepção negativa e homogeneizada da homossexualidade, no campo social, que resulta, no campo individual, em uma homofobia interiorizada.
Estigma....
  •  pode ser considerado como dispositivo de controle 
  • tem por objetivo  a manutenção, em alguns grupos que exibem uma diferença indesejável, do sentimento de menosvalia social imputado a eles
  •  determina inexoravelmente a sua desqualificação como Sujeitos de Direito que ao mesmo tempo que vêem negada a sua cidadania, negam-se a conquistá-la.
  • O registro negativo imputado pelo estigma provoca o que Erving Goffman descreveu como identidade deteriorada. (1988).
Borrillo (2000) aponta que as pessoas homossexuais são vitimizadas do seguinte modo: 

1) Os homens homossexuais são vitimizados, pois, em sendo homo, se “igualam” às mulheres na posição de eventual receptor do pênis. Logo, são vistos como “efeminados”, deixando de fazer parte do universo viril. Por isso, o estereótipo de que todos os homossexuais masculinos são “mulherzinhas”, “desmunhecados” e/ou “maricas”. 

2) De outro lado, as mulheres homossexuais são vitimizadas, já que, em sendo homo, supostamente deixam de cumprir sua função de “fêmea” reprodutora dos filhos “de um macho”, e não são aceitas no universo viril, ainda que emasculadas, pois não possuem o pênis. Em acréscimo, ao se identificarem enquanto lésbicas, assumem uma postura ativa em relação ao seu desejo sexual. Como tal atividade é exclusiva do universo masculino, elas são rechaçadas pelos homens e pelas outras mulheres, pois quebraram a barreira do silêncio em relação à suposta passividade feminina.

Blumenfeld (1992), Isay (1998) e Hardin (2000) assinalam que tais efeitos englobam: 

1) Negação da sua orientação sexual (do reconhecimento das suas atrações emocionais) para si mesmo e para os outros; 
2) Tentativas de mudar a sua orientação sexual; 
3) Sentimento de que nunca se é “suficientemente bom”, o qual conduz à instauração de mecanismos compensatórios, como, por exemplo, ser excessivamente bom na escola ou no trabalho (para ser aceito); 
4) Baixa autoestima e imagem negativa do próprio corpo, depressão, vergonha, defensibilidade, raiva e/ou ressentimento – o que pode levar ao suicídio já em tenra juventude;
 5) Desprezo pelos membros mais “assumidos” e “óbvios” da comunidade LGBT; 
6) Negação de que a homofobia é um problema social sério; 
7) Projeção de preconceitos em outro grupoalvo (reforçados pelos preconceitos já existentes na sociedade);
8) Tendência de tornar-se psicológica ou fisicamente abusivo, ou permanecer em um relacionamento abusivo; 
9) Tentativas de se passar por heterossexual, casando-se, por vezes, com alguém do sexo oposto, para ganhar aprovação social ou na esperança de “se curar”; 
10) Práticas sexuais não seguras e outros comportamentos autodestrutivos e de risco (incluindo a gravidez e o de ser infectado pelo vírus HIV); 
11) Separação de sexo e amor e/ou medo de intimidade, capaz de gerar até mesmo um desejo de ser celibatário(a); 
12) Abuso de substâncias (incluindo comida, álcool, drogas e outras).

Epidemiologia de Suicídio em Adolescentes independentemente de  orientação e ou identidade sexual
  • No Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 1995), Art. 2º, considera-se “criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade”.
  • Para a Organização Mundial de Saúde (WHO, 1986) entende como adolescente o indivíduo que possui entre 10 (dez) e 20 (vinte) anos de idade.
  •  o período da adolescência tem como característica biológica a puberdade, a qual traz consigo a maturação sexual ocorrente da mesma forma, universalmente, em meninos e meninas.
  • nesse período, o(a) adolescente irá construir sua identidade tendo como medida os referentes coletivos e não apenas os de seu núcleo familiar de origem
  • há uma busca do(a) adolescente em adotar valores e comportamentos visando à aceitação pelo grupo ao qual pertence.
  • esse período de maior desenvolvimento e amadurecimento biológico e psicológico, o(a) adolescente se torna mais susceptível a conflitos emocionais.
  •  primeiras pressões sociais, que, articuladas à realidade emocional dos envolvidos, podem contribuir para alterações de comportamento e surgimento de quadros depressivos, os quais, se não forem superados, correm risco de desembocar em ideações e tentativas de suicídio.
O Suicídio...
  •  Marcus (1995) e Cassorla (1998a; 1998b), o suicídio – ato voluntário de pôr fim à própria vida –, para muitas pessoas, pode ser a última alternativa para lidar com a tensão resultante da não aceitação de desejos (sexuais ou não), no campo social. 
  • Trata-se, portanto, de um ato intimamente ligado ao contexto onde ele se produz (Barros, 1998). 
  • Segundo Zwahr-Castro (2005), apesar de as taxas de suicídio permanecerem relativamente estáticas, nos últimos sessenta anos, nos Estados Unidos, entre os adolescentes ocorre uma maior preocupação com essas taxas por dois motivos: 

a) a taxa de suicídio, nessa faixa etária, quadriplicou nos últimos cinquenta anos; e

 b) o suicídio contagioso ou os grupos de suicídio parecem ser mais comuns entre os jovens que entre outros segmentos da população.

  • Entre os adolescentes, o suicídio é a terceira causa de morte, sendo que 4.000 jovens tiraram a própria vida, em 2001

Suicídio de Adolescentes e Orientação Sexual Homossexual: epidemiologia e casuística...

  • O ato de atentar contra a própria vida já foi entendido como pecado, crime, liberdade individual, efeitos das condições sociais (Durkheim, 1897[1969];
  •  Ariès, 1977), chegando hoje à visão contemporânea de psicopatologia ou condicionamento genético.
  • entendem-se as ideações e tentativas de suicídio de adolescentes “não heterossexuais” como efeitos dos processos homofóbicos e não uma decorrência de processos patológicos individuais. 
  • procura-se compreender o quanto o estigma de se descobrir “não heterossexual”, para si mesmo e/ou para os outros, contribui para levar um(a) adolescente ao ato de pensar e/ou de atentar contra a sua própria vida.
  • EUA -  os jovens gays são de duas a três vezes mais propensos a tentar o suicídio comparativamente aos jovens heterossexuais, compreendendo o total de 30% anual de suicídios juvenis.
 Foram investigados quatro fatores de risco ao suicídio:
  •  pensamentos sobre a própria morte, 
  • desejo de morrer, 
  • pensamentos sobre cometer suicídio 
  • tentativa de suicídio.

 Pesquisas realizadas no Brasil...

  • Entre 2.256 (98,8%) respondentes, 484 estudantes declararam já terem pensando em suicidar-se, o que representa uma prevalência de 21,5%
  • Independentemente da orientação sexual dos respondentes, as meninas (359) apresentaram uma prevalência maior, com 74,2%, de pensamentos suicidas, que os meninos 25,8% (125)
  •  Para ambos sexos, independentemente da orientação sexual, esse fato se deu, na maioria das vezes, entre os 14 e os 16 anos, 312 (67,5%)
  • A prevalência de pensamentos suicidas entre os heterossexuais foi de 20,7%. 
  • A prevalência de pensamentos suicidas entre os não heterossexuais, essa prevalência foi de 38,6%

Os adolescentes tomados por desejos eróticos em relação a pessoas de mesmo sexo biológico – neste estudo, denominados “não heterossexuais” 
  • sentem medo da exclusão e da injúria (Verdier e Firdion, 2003; Eribon, 2008);
  • se afastam da sociedade, tornando-se vulneráveis à depressão e, em alguns casos, a pensamentos e tentativas de suicídio (SavinWilliams, 1990, 1998; Taquette e col., 2005)
Como enfatiza Castañeda (2007, p. 91)...
  •  todas as crianças são criadas por seus pais a partir de um modelo heterossexista, que as faz crer que um dia irão se casar e formar uma família: “[...] é o que lhes repetem incansavelmente seus pais, a escola, a cultura e a sociedade em geral”
  •  Dar-se conta que isso, provavelmente, não acontecerá e que será necessário renunciar a um projeto de vida longamente preparado, é um processo extremamente lento e doloroso. Trata-se de uma perda importante.
Como isso vai afetar psicologicamente o indivíduo? Elizabeth Kübler-Ross (1969), o(a)s psicólogo(a)s envolvido(a)s nos Estudos de Gênero e LGBT (Castañeda, 2007), dirão que...
  • na pessoa que toma consciência de sua homossexualidade, encontrar-se-á a negação (“Talvez não seja verdade.”), 
  • a raiva (“Por que eu?”), 
  • a barganha (“Farei de tudo para evitar isso. Vou compensar esse ‘defeito’, sendo o melhor...”), 
  • a depressão (“Nunca serei feliz.”), 
  • a aceitação (“Sou o que sou e não preciso nem me esconder, nem tentar agradar ninguém para ser aceito.”). Quando dá certo.
O suicídio em adolescentes não heterossexuais...
  • está acompanhado de certa desesperança e negação interna da sexualidade, que costumam ser reforçadas pela sociedade heteronormativa em que vivemos (Oliveira, 1998).
  •  a pressão social vai acentuar um estado de melancolia no sujeito, que dificultará que ele faça o luto da heterossexualidade
  •  a construção de uma identidade sexual na qual a pessoa se reconheça e se sinta autorizada a expressar seus desejos, ainda que o contexto em que viva não seja propício. 
O(a)s jovens bissexuais e/ou os que ainda não se definiram estão em maior risco. 
  • Isso faz supor que, em uma sociedade onde a organização das relações entre os gêneros se dá a partir de uma lógica binária de formatação da sexualidade, de fato, aquele(a)s que se sentem atraído(a)s por ambos os sexos podem mesmo encontrar maior dificuldade de compreensão e estabelecimento de parcerias amorosas, já que tal sujeito é visto ou como “indeciso”, “oportunista” ou “imaturo” (Castañeda, 2007)
  • a negociação do “sair do armário”, isto é, revelar-se LGBT para si, familiares, amigos/as e escola, passa por situações diversas e implica respostas distintas, uma vez que, em cada lugar, a homossexualidade terá um valor, uma representação, uma consequência. 
  •  A saúde sexual é concomitante à saúde mental.
  • e, a bissexualidade é bem mais incompreendida do que as identidades: gay e lésbica, que há tempos são publicitadas pelos movimentos sociais LGBT.
  •  o(a)s jovens não heterossexuais estão mais vulneráveis
Referências
FILHO, Fernando Silva Teixeira; Rondini, Carina Alexandra. Ideações e tentativas de Suicídio em Adolescentes com Práticas Sexuais Hetero e Homoeróticas.

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