Contribuições da Psicologia para as estratégias de prevenção e tratamento de agravos crônicos e degenerativos na velhice


Os pressupostos da velhice como um período da vida, puramente, de prejuízos e declínios inevitáveis foram respaldados pelos resultados obtidos por estudiosos da Psicologia da idade cuja metodologia consistia, basicamente, em comparar o desempenho físico, cognitivo e emocionais de grupos mais velhos com grupos mais jovens (Batistoni, Fortes & Yassuda, 2007). 

Até meados do século XX, essa visão reducionista do envelhecimento contribuiu para homogeneização da população mais velha e para as atitudes negativas acerca das últimas fases da vida, inibindo avanços teóricos e práticos da Psicologia na área gerontológica. 

No fim do século XX, os argumentos da unidirecionalidade e universalidade sobre as mudanças ocorridas no curso de vida perderam espaço para os pressupostos da perspectiva lifespan, que compreende o desenvolvimento como um processo resultante não só fatores normativos graduados por idade, mas também pela história (efeitos de coorte) e pelos eventos não normativos vivenciados ao longo da vida (Staudigner, Marsiske & Baltes 1995; Baltes, Lindenberger & Staudinger, 2006; Neri, 2006).

As pesquisas realizadas por Baltes, Lindenberger e Staudinger (2006), utilizando a metodologia longitudinal em coorte-sequenciais, foram pioneiras na identificação de variáveis que ao longo da vida podem influenciar na variabilidade interindividual na velhice. 

Estas pesquisas evidenciaram a argumentação de que o envelhecimento é determinado não só por fatores biológicos, psicológicos e sociais, mas também pelo contexto histórico-cultural com o qual o indivíduo tem que interagir e adaptar-se da infância até a velhice. 

Nas fases inicias da vida, recursos internos e externos são alocados, principalmente, na obtenção de ganhos, enquanto nas últimas fases da vida a alocação de recursos visa a minimização das perdas decorrentes de alterações normativas e não normativas. Assim, essa dinâmica de realocação de recursos garante a manutenção da capacidade adaptativa durante todo o curso de vida.

Outro argumento relevante desta perspectiva é a possibilidade da velhice saudável, obtida a partir da regulação entre as potencialidades e as perdas associadas ao aumento da idade (Staudigner, Marsiske & Baltes, 1995). 

Essa regulação é obtida com a seleção e otimização das habilidades comportamentais obtidas ao longo da vida, bem como das metas pessoais mais significativas para cada etapa do desenvolvimento, e da compensação das perdas por meio dos níveis de reservas e da capacidade de resiliência (Baltes & Smith, 2003). Esta compreensão teórica de uma orquestração entre ganhos e perdas, mecanismo conhecido como SOC (Seleção, Otimização e Compensação), consiste em uma das grandes contribuições da perspectiva lifespan, hoje utilizada para respaldar estratégias de promoção da velhice saudável (Neri, 2006). Apesar de sua relevância e da ênfase que esta perspectiva deu aos fatores históricos e culturais, recebeu críticas pela excessiva responsabilização do indivíduo em seu processo de envelhecimento e na conquista de uma velhice saudável. Assim, para pensar em estratégia em saúde coletiva é preciso considerar o peso dos determinantes contextuais com seus recursos para o desenvolvimento na velhice e também com seus riscos para desfechos desfavoráveis.

Alguns desses determinantes contextuais, vistos como potenciais fontes para a promoção do envelhecimento saudável, são: a tecnologia e as condições educacionais, urbanas, habitacionais, de trabalho e de assistência à saúde adequadas ao longo da vida (Fonseca, 2010). Além disso, recursos sociais, como o apoio das pessoas próximas e de profissionais e o engajamento em atividades, são reconhecidos na literatura como mecanismos eficazes para enfrentamento de eventos críticos da vida (Rabelo & Neri, 2005, Taylor, 2011). Assim, estratégias de ampliação da rede de suporte social para as pessoas mais velhas que convivem com incapacidades e perdas devem ser elaboradas, prevendo a participação não só do poder público e das famílias, mas da sociedade como um todo.

No Brasil, diante da transição de morbimortalidade das últimas décadas (Paim et al., 2011), foi elaborado o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), que inclui metas de diminuição das taxas das principais DCNT entre 2011 e 2022 (MS, 2011). A finalidade desta estratégia é o desenvolvimento e implementação de políticas públicas efetivas, integradas, sustentáveis e baseadas em evidências para a prevenção e o controle das DCNT e seus fatores de risco. Além disso, prevê o fortalecimento dos serviços de saúde voltados para a atenção aos portadores destas doenças. Para alcance das metas traçadas, são prioridades os seguintes pontos: metodologias para detecção precoce de doenças; monitoramento dos agravos; programas de prevenção; e o sistema médico pessoal. É preciso lembrar que o simples controle dos agravos crônicos na população mais velha não impacta as taxas das DCNT a longo prazo. Esse plano será eficaz se suas estratégias atingirem todo o curso de vida dos indivíduos, isto é, modificando o estilo de vida na infância e com projeção de manutenção de hábitos saudáveis até a velhice. Nesta direção, achados relevantes foram obtidos pelo Estudo Adverse Childhood Experiences (ACE), que consiste no acompanhamento prospectivo de uma coorte de 17.337 adultos, utilizando um protocolo com dados de saúde e bem-estar social, com o objetivo de identificar experiências adversas na infância relacionadas à incidência de doenças, uso de medicamentos, custos de saúde, mortalidade prematura, e causas de morte (Felitti, et al., 1998; Larkin, Shields & Anda, 2014). O Índice ACE inclui as seguintes experiências adversas da infância: abuso físico emocional e sexual, negligência física e emocional, ter testemunhando violência doméstica, crescer com um membro familiar doente ou fazendo uso abusivo de substância, a perda de um dos pais ou ter um membro da família encarcerado. Estão entre os desfechos, reconhecidos como frequentes na idade adulta e relacionados a presença de experiências psicossociais adversas na infância, a depressão maior, os níveis elevados de inflamação, e um agrupamento de marcadores de risco metabólico (Danese et al., 2009). A partir das evidências fornecidas pela publicação do Estudo ACE, as política públicas norte-americanas, que preveem ações de controle do risco para as doenças comuns na idade adulta, como as doenças cardiovasculares, começaram a incorporar em suas estratégias a avaliação e a intervenção nas situações adversas vivenciadas na infância (Larkin, Shields & Anda, 2014).

A Psicologia pode oferecer significativo apoio às política de prevenção e controle das DCNT, pois o campo de atuação desta profissão engloba uma diversificada gama de técnicas voltadas para a promoção da saúde, para o diagnóstico precoce e o tratamento de declínios físicos, emocionais e cognitivos. Especificamente, na atenção à saúde mental do idoso, as estratégias preventivas em Psicologia tem como foco a manutenção da autonomia e da funcionalidade cognitiva, mesmo na existência de quadros patológicos já instalados, como a prevenção do suicídio em quadros de depressão; do isolamento social em quadros de perdas da independência, e do stress, sobrecarga e desestruturação de núcleos familiares ao enfrentar o dia a dia de cuidado do idoso acometido por patologias crônico-degenerativas. 

Dentre essas últimas, a síndrome demencial, descrita no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V) (APA, 2013) na categoria de transtornos neurocognitivos graves, é um dos grandes temas de interesse de pesquisadores e clínicos em gerontologia, pois estão entre as principais causas da perda total de autonomia e independência na velhice. Além disso, sintomas psicológicos e comportamentais podem ser observados em indivíduos acometidos pelas demências e a avaliação dos mesmos é fundamental para o diagnóstico diferencial e tratamento adequado desta síndrome. Dentre estes sintomas estão: apatia, depressão, ansiedade, insônia, medo, paranoia, alucinações, alterações de personalidade e de comportamento (Tampi et al., 2011).

Estima-se que o número de pessoas acometidas pela síndrome demencial no mundo era de 35,6 milhões em 2010 e que este número deve quase duplicar a cada 20 anos, elevando-se para 65,7 milhões em 2030 e 115,4 milhões em 2050 (Prince et al., 2013). Estes autores apontaram que, em 2010, 58% de todos os pacientes com demência viviam em países com rendimentos baixos ou médios (contexto no qual se insere o Brasil) e que essa proporção deve chegar a 63% em 2030 e 71% em 2050. O crescimento dos casos de demência é tido como de caráter epidêmico e especialistas defendem que, se não controlado, representará enorme desestrutura para o sistema de saúde (Wimo & Prince, 2010). Assim, surge uma grande demanda por especialistas em avaliação e reabilitação de idosos, seja para assistência aos acometidos por prejuízos cognitivos ou para orientação aos familiares/cuidadores. 

Neste cenário, a neuropsicologia é um dos campos de atuação do psicólogo que mais rapidamente ganhou reconhecimento no Brasil no âmbito da assistência e da pesquisa em saúde do idoso. Entre os esforços dos estudiosos desta área estão a elaboração e validação de instrumentos para diagnóstico diferencial dos transtornos cognitivos e a busca por intervenções capazes de retardar o início ou a progressão do quadro clínico neurodegenerativo (Malloy-Diniz et al., 2013; Caramelli & Tavares, 2007; Yassuda, Cid & Camargo, 2007).

Em revisão sobre intervenções da Psicologia com idosos, Leandro-França e Murta (2014) reuniram as práticas mais utilizadas na assistência à saúde mental desta população. Entre estas intervenções estão: as abordagens comportamentais e cognitivo-comportamental tanto para tratamento quanto para prevenção; a terapia life review (revisão de vida) utilizada como estratégia preventiva da depressão em idosos; as intervenções de preparação para aposentadoria (PPA); a terapia comunitária, frequentemente aplicada a grupos de idosos de baixo poder aquisitivo com o objetivo de auxiliar no empoderamento e na resiliência. Estes autores ressaltaram também que a abordagem ecológica, embora ainda menos utilizada, é a mais adequada para intervenções preventivas e de promoção da saúde, pois enfatiza as complexas e recíprocas interações entre os indivíduos, os grupos e o seu meio ambiente (McLaren & Hawe, 2005; Green, Richard & Potvin, 1996). 

Esta abordagem vai de encontro à proposta do modelo biopsicossocial, adotado na atualidade pela saúde coletiva, que defende a necessidade de entender o processo saúde-doença a partir das condições de vida e saúde de uma coletividade (Puttini, Pereira Junior & Oliveira, 2010). 

As causas patológicas e, consequentemente, os focos de intervenção em saúde devem incluir o contexto social relacionado à saúde de uma população. Nesta direção, estratégias como desenvolvimento de habilidades pessoais e do empoderamento são apontadas como forma de auxiliar indivíduos idosos e suas comunidades na obtenção do controle sobre os fatores que afetam a sua saúde e qualidade de vida (Teixeira, 2002).

Contudo, para que o conhecimento teórico e prático da psicologia resulte em intervenções eficientes em saúde do idoso, é necessário garantir profissionais qualificados e respaldados pelos novos paradigmas gerontológicos. Estes profissionais podem auxiliar na implantação das políticas públicas pensando a prevenção e a promoção da saúde bem além de simples técnicas de correção comportamental e da transposição de serviços aos mais velhos baseados nas estratégias utilizadas para os mais jovens.

Considerações finais

O envelhecimento populacional resultou no interesse de pesquisadores e clínicos pelos fatores capazes de aumentar as chances de as populações experimentarem a velhice como uma fase satisfatória no curso de vida. Além disso, apesar de nas últimas décadas serem significativos os avanços na qualidade de vida da população mais velha, ainda enfrentamos desafios, como a elaboração de intervenções eficazes para prevenir e tratar as condições patológicas crônico-degenerativas.
Os avanços das pesquisas no campo da psicologia do envelhecimento contribuíram para a verificação das alterações estruturais e funcionais próprias do processo de envelhecimento e, também, para a elaboração teórica da dinâmica de regulação de perdas ao longo vida. A partir dos pressupostos teóricos e das descobertas científicas de perspectivas como a lifespan, a psicologia do envelhecimento reconhece, hoje, que determinantes socioculturais e genético-biológicos são coinfluentes nos desfechos experimentados na velhice. Muitos estudiosos da psicologia do envelhecimento se dedicam a explicar a manutenção da capacidade adaptativa na velhice e oferecem suporte para estratégias de promoção de um envelhecimento saudável (Carstensen et al., 2011; Schaie, 2012).

Muitas modificações acerca do que entendemos do processo de envelhecimento humano foram obtidas, principalmente, com os resultados de estudos longitudinais a partir dos quais efeitos de história e de indicadores presentes nas etapas iniciais da vida tornaram-se foco para as estratégias preventivas de patologias na velhice. Contudo, no Brasil, os estudos de coorte em andamento são pouco (Faerstein, E., et al., 2005; Lopes et al., 2008; Horta & Victora, 2008; Schimidt et al., 2014) e estes são os que mais contribuem para o direcionamentos da saúde coletiva, pois auxiliam no reconhecimento de prioridade e fatores de risco para adversidades comuns no contexto brasileiro. As pesquisas, com maior tempo de seguimento, conduzidas com a população mais velha no Brasil foram realizadas com coortes fechadas e não se configuraram em estudo multicêntrico (d'Orsi, Xavier & Ramos, 2011; Lima-Costa et al., 2011) o que limita as conclusões que temos até o momento sobre os efeitos de história e as comparações entre as regiões do país. Os estudos gerontológicos no Brasil são conduzidos, principalmente, nas regiões Sul e Sudestes e, sabendo-se das diferenças socioculturais em relação ao Norte-Nordeste, temos limitada capacidade de generalização dos achados obtidos. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) (de Azevedo, Zanchetta, César, 2011; de Almeida (2015) fornece os melhores indicadores para elaboração do planejamento de saúde da população brasileira, pois é realizada em todo o país. Faz-se necessário, por parte dos pesquisadores, ampliar as análises de seguimento utilizando esta base de dados e, a partir de descobertas científicas, sugerir atualizações dos protocolos dos futuros inquéritos. Assim, a implantação de estudos de coortes com acompanhamentos da infância até a velhice e em toda a extensão do território brasileiro pode trazer soluções para os desafios impostos pelo envelhecimento populacional no país.

Nas práticas em saúde, os atuais paradigmas da psicologia do envelhecimento podem auxiliar na superação das visões equivocadas sobre uma homogeneidade da população mais velha que, em geral, ao serem aplicadas nas ações de atenção ao idoso, mostram-se ineficazes e, consequentemente, contribuem para o desperdício dos recursos disponíveis para a assistência desta população. Apesar de muitas práticas interventivas da psicologia serem aplicáveis à saúde do idoso, esta é uma área de atuação ainda pouco difundida no Brasil e o interesse pela formação em gerontologia ainda é tímida entre os psicólogos. Desta forma, um dos maiores desafios do crescimento da psicogerontologia no Brasil é a execução de ações conduzidas por profissionais capacitados para desenvolver intervenções que ofereçam respostas às demandas resultantes das especificidades do envelhecimento. Cabe à psicologia e demais áreas da saúde a ampliação do conhecimento sobre o envelhecimento, seja ativo ou com acometimentos crônico-degenerativos, e sobre os fatores associados à variabilidade deste processo para que estereotipações não comprometam a eficácia dos serviços prestados à população idosa e para que a oferta de cuidados em saúde coletiva seja uma meta articulada em todo o curso de vida.

Referências
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