CAPÍTULO VII - Mas o que é sustentado por nossa sociedade é que um único organismo é controlado por vários agentes psíquicos e que seu comportamento é resultante de suas múltiplas tendências.

E é dessa maneira que a grande “descoberta invenção” de Freud é usada e se faz presente: id. ego e superego. Tais conceitos são freqüentemente usados como criaturas que vivem eternamente em conflitos violentos, cujas derrotas e vitórias produzem comportamentos ajustados ou não no indivíduo no qual residem e no qual o mesmo tem que se haver, uma vez que se tratam de forças sobre as quais não se tem controle algum (Skinner. 2003). 

Não seria o id - ''velho Adão da teologia judaico-cristão” - caracterizado por Freud como egoísta, agressivo, preocupado com as privações básicas e que constantemente se encontra em conflito com os interesses de outrem - resultante da filogênese responsável por nossos comportamentos de procura de alimento, água. contato sexual e outros reforçadores primários ? 

Nâo seria o superego - a “consciência judaico-cristã” - definido por Freud como o agente punitivo que é. em grande parte, inconsciente e que está geralmente representando os interesses de outras pessoas e que se opõe inevitavelmente ao id - produto das práticas culturais punitivas de uma sociedade que tenta eliminar o comportamento egoísta gerado pelos reforçadores primários

Nào seria boa parte do superego inconsciente simplesmente porque a comunidade verbal não instruí as pessoas observá-lo ou descrevê-lo? E o ego - visto por Freud como o agente que. além de tentar alcançar um acordo entre o id e o superego. também lida com as exigências do ambiente - não seria o produto da ontogênese, do reforço e das contingências punitivas da vida diária organizadas por outras pessoas? 

Portanto, não é muito mais fácil e óbvio observar que o ator de todo esse impasse é o organismo, que se tornou uma pessoa com repertórios diferentes e possivelmente divergentes, como resultado de contingências diversas e talvez conflitantes? (Skinner, 1998: Skinner, 2003). 

Skinner (1998) aponta ainda que. sob diferentes situações, diferentes “personalidades" podem se manifestar, chamando, mais uma vez. a atenção para a recusa de explicações em termos da personalidade como agente causador e a importância da busca pelas verdadeiras causas do comportamento. Assim, em um mesmo organismo podemos encontrar um homem de negócio, agressivo e irritado e um pai. amoroso e calmo. A personalidade de alguém pode ser muito diferente antes e depois do almoço. "O herói pode lutar para esconder o covarde que habita a mesma pele” (Skinner. 1998. p. 312). 

Existe ainda o fato de que a personalidade pode se restringir a uma ocasião especifica estimulo discriminativo - em que os comportamentos que são eficientes ao conseguir reforço em uma dada situação não os são em outra (Skinner, 1998). Desse modo. a personalidade de um garoto no seio de sua família pode ser muito diferente da personalidade na presença de sua namorada. Padrões variados de respostas podem ocorrer junto dos amigos ou de pessoas desconhecidas, diante de reforçadores ou não, estando na condição de aluno ou de professor, sob o efeito do álcool ou não, estando na universidade ou na igreja, numa roda de amigos ou numa reunião importante de trabalho (Marçal. 2001). Aqui, o que ocorre é que os organismos possuem sistemas de respostas que são adequadas para diferentes conjuntos de circunstâncias, de acordo com a sua história de vida. No entanto, podem ocorrer situações conflitantes nas quais a pessoa se depara com dois desses conjunto, ao mesmo tempo, como por exemplo, quando um rapaz recebe a visita da namorada no trabalho, ou quando se encontra simultaneamente na presença do chefe e do subordinado (Marçai, 2001 ). É hora de começarmos a olhar para fora. 

Há anos as pessoas, incluindo os cientistas, têm se preocupado com a vida mental, mas está mais do que na hora de começarmos a revelar algum interesse por uma análise mais precisa do papel do meio sobre os nossos comportamentos. “À medida que a pertinência da história ambiental se tomou mais clara, questões práticas começaram a ser propostas, não sobre sentimentos e estados mentais, mas acerca do meio ambiente, e as repostas se vêm revelando cada vez mais úteis” (Skinner, 2003, p. 148). 

Vimos que, de um modo geral, a Psicologia e outras áreas do saber concebem comumente a personalidade como o conjunto total das características próprias do indivíduo que, integradas, estabelecem a forma pela qual ele reage costumeiramente ao meio. Não seria justamente o contrário? 

A Análise Comportamental concebe o ser humano a partir das diversas relações existentes entre o indivíduo e o seu ambiente, levando em consideração a história da espécie, a história do indivíduo e a cultura na qual ele se insere. Assim, aquilo que costumeiramente chamamos de personalidade refere-se aos padrões de comportamentos adquiridos e mantidos por contingências. Não admitir essa ideia é. ao meu ver, recusar a própria natureza humana. 

A pergunta que ficou é a seguinte, seremos superficiais, então, somente por não atribuirmos causa aos eventos privados? 

Skinner nos fala que “se excluirmos o significado pejorativo de ‘superficial' como carente de penetração e o sentido honorífico de profundo’ como perspicaz e entranhado, então há uma ponta de verdade na alegarão de que a análise behaviorista é superficial e não atinge as profundezas da mente ou da personalidade” (Skinner, 2003, p. 191). 

Aqueles que dizem ser a ciência do comportamento simplista, limitada e superficial por não lidar com as profundezas da mente ou da personalidade, usualmente revelam-se ultra-simplistas, uma vez que as explicações imemalistas são atraentes justamente porque parecem ser muito mais simples do que os fatos que se dizem explicarem. Assim, os behavioristas (e nós futuros) somos facilmente acusados de superficiais porque é muito difícil acreditar que um principio tão simples possa ter amplas conseqüências em nossas vidas (Skinner, 2003). 

Portanto, os behavioristas não varrem o problema dos eventos mentais e da personalidade, especificamente falando, para debaixo do tapete, abandonando o papel causal da mente sem nada colocar-lhe no lugar. Se isso acontecesse, poderiam sim. ser superficiais no sentido criticável do termo. Skinner (2003) nos fala que ninguém é capaz de dar uma explicação completamente adequada do que é a personalidade, por ser um dos mais complexos assuntos do campo psicológico. No entanto, por mais deficiente que possa ser a explicação dos comportamentalistas. devemos lembrar-nos de que, sob um enfoque comportamental. “as explicações mentalistas nada explicam.” (Skinner. 2003, p. 190). 


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