Contato, virtualidade e ciberespaço: uma reflexão à luz da Gestalt-terapia

  • discute o fenômeno da virtualidade no contexto do ciberespaço e o entendimento da Gestalt-terapia.
  • Teoria do Self traz noção de contato para ressaltar o caráter virtual da experiência.
  • Adentra no campo das relações interpessoais.
"Constatou-se o ciberespaço enquanto um campo onde coabitam implicações materiais e virtuais que fomentam uma nova configuração para experiência e consequentemente um campo de ajustamento criativo."

século XXI - permite se relacionar através de uma rede de comunicação simultânea e global, o que nos permite interação sem a necessidade de dividirmos o mesmo espaço-tempo.

O ciberespaço...
  • as estas transformações se estendem na formação de uma cultura própria da contemporaneidade
  • ocorre a interação humana via mídias digitais
  • ressalta uma nova interface para experiência humana, onde a crescente circulação desenfreada de informações infere um campo novo, desconhecido e exacerbado em possibilidades.
  • Segundo Lévy (1999) o ciberespaço pode ser entendido enquanto um espaço não físico pelo qual as informações circulam por meio de um conjunto deredes de computadores.
  • Lima (2009) traz que “o ciberespaço não é uma realidade a parte, ou um não-lugar desconectado da realidade, mas uma expansão e um complexificador do real” (p.5), ou seja, para além da noção espacial/material o ciberespaço se refere a um ambiente simulado onde é possível interagir transmitindo informações e conteúdos simbólicos, proporcionando uma experiência conjunta de interação, mesmo deslocada em um tempo-espaço diferente ( CAPANEMA e AVANZA, 2013).

A Cibercultura...
  • por Lévi (1999) como sendo “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p.16).
  • Santaella (2003) traz que o advento da cibercultura não tem mudado apenas a maneira como nos comunicamos, mas também a forma como produzimos, criamos, distribuímos e compartilhamos.

Bases teóricas para se pensar o contato neste novo campo virtualizado da experiência....
  • Obra Gestalt-terapia de Perls, Hefferline e Goodman (1997) e nos estudos de seus desdobramentos feitos por Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2004, 2007, 2012).
O que significa Gestalt...

Segundo Engelmann (2002): “O substantivo alemão ‘Gestalt’, desde a época de Goethe, apresenta dois significados diferentes:

(1) a forma; 
(2) uma entidade concreta que possui entre seus vários atributos a forma” (p.2). 

A opção majoritária de manter o termo original por parte dos
gestaltistas ressalta a importância estética que o mesmo tem para a teoria, utilizado pelo próprio Goethe para descrever a “[...] auto-organização, do sentido e a expressividade presentes nos fenômenos da natureza” (CHOLFE, 2009, p.30).

A Gestalt-terapia...
  • se estabelece como uma abordagem que possibilita uma análise holística do ser humano através de uma forte base epistemológica, que parte da relação entre organismo e o meio.
  • o homem passa a ser visto como parte atuante em um todo maior.
  • Um constante campo interacional entre o organismo e o ambiente, no qual a manifestação das experiências vividas no passado e as expectativas geradas frente às possibilidades de futuro se fazem presentes transientemente no aqui-e-agora (MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2004).
Influências da Gestalt-terapia...
  • marca o abandono do método introspeccionista e dos conceitos clássicos de atenção, sensação e associação em valor do método fenomenológico, o que permitiu que Wertheimer e Köhler propusessem uma aproximação do pensamento em relação a uma experiência concreta (CHOLFE, 2009).
  • transcende o formato mentalista, até então predominante, de se fazer Psicologia.
  • Perls levantou duras críticas a este método, uma vez que se pautava na busca por leis estruturais universais.
  • Perls vai beber da teoria de Kurt Goldstein, trocando o dualismo entre mente e corpo (fenômenos psicológicos versus fenômenos físicos) pela compreensão descritiva de um processo de funcionamento organísmico (BELMINO, 2014).
  • "nenhum organismo é autossuficiente Requer o mundo para a satisfação de suas necessidades"
  • quebra de um pensamento dicotômico que separava o homem e a natureza em estâncias isoladas e o início de uma linguagem integradora pautada na compreensão de uma unidade do organismo e sua integração com o campo (unidade organismo/ambiente) (BELMINO, 2014).
  • Para Perls, Hefferline e Goodman (1997) o pensamento dicotômico proposto pelas teorias antropológicas anteriores na verdade são fragmentações da experiência, uma vez que não abarcam o “todo”, apesar de serem estruturas unificadas e definidas.
  • propõe a observação da experiência em si mesma, formulando assim uma noção de campo construído através de polaridades que nascem de noções contrárias (BELMINO, 2014).
  • segundo Perls (2002) ocorre uma diferenciação em opostos: "somos indiferentes a tudo que é ‘não diferenciado’ a partir de nosso ponto e vista subjetivo” (p.46).
O Ego...
  • passa a ser entendido como uma função seletiva do organismo no campo, pela qual ele identifica-se e aliena-se em sua interface com o ambiente (PERLS, 2002).
  • o ego enquanto função da experiência é ativado a partir do encontro com o “estranho”, exercendo a função de determinar os limites ou fronteiras entre o pessoal e o impessoal.
  • Assim como a respiração é uma função do pulmão o ego é a função seletiva do organismo, fundamental para compreender suas próprias fronteiras (PERLS, 2002). 
  • A fluidez deste processo de diferenciação se dá por meio da dinâmica do contato/fuga, na qual o contato é o ato de identificação e alienação com o meio e a fuga o processo de retrair-se para que uma nova experiência possa emergir (BELMINO, 2014).
Ajustamento criativo ...

“o processo de contatar no campo organismo/ambiente [...]” (p.100), ou seja “[...] o processo de assimilação da novidade e a rejeição do inassimilável” (BELMINO, 2014, p. 99).

Teoria do Self...
  • discutida/lida através de “[...] três principais sistemas parciais –ego, id e personalidade -, que em circunstâncias específicas parecem ser o self”.
  • Através desses três sistemas é possível ler a experiência de um campo.
  • as funções id, ego e personalidade são entendidos enquanto ferramentas descritivas do processo temporal que é o “self” (MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2004).
    • Id - surge como sendo passivo, disperso e irracional” (PERLS,HEFFERLINE E GOODMAN, 1997, p. 186), Ou seja, refere-se ao corpo ainda não representado frente a experiência, os tecidos e músculos que de tão integrados ao meio são indiferenciáveis, sendo “[...]vivido como volume, espessura, trânsito entre eu e o mundo” (MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2004, p.3).
    • Ego - A função de ego, por sua vez remete a deliberação, decisão, ação. É a função pela qual o “self” polariza as trocas energéticas em uma extremidade da relação (MÜLLER-GRANZOTTO E MÜLLER-GRANZOTTO, 2004). Nesse momento “[...] um interesse assume a dominância e as forças se mobilizam de modo espontâneo, determinadas imagens se avivam e as respostas motoras são iniciadas” (PERLS, HEFFERLINE &GOODMAN, 1997, p.184).
    • Função Personalidade - é descrita por Perls, Hefferline e Goodman (1997) como sendo: [...]o sistema de atitudes adotadas nas relações interpessoais; é a admissão do que somos, que serve de fundamento pelo qual poderíamos explicar nosso comportamento, se nos pedissem uma explicação (p.187).
    • Self - “self” pode ser entendido enquanto “o sistema de contato no momento presente” (PERLS, GOODMAN, HEFFERLINE, 1997, p.10), e não meramente enquanto organismo em interação com ambiente como ocorreu em Perls (2002) e na teoria de Goldstein (BELMINO, 2017).
    O Self enquanto rede temporal..
    • a fronteira de contato se evidencia como presente transiente, ou seja, se efetiva enquanto um campo de presença no qual coabitam nossas vivências passadas e expectativas de futuro (MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, 2007).
    • o caráter virtual do self, onde “o passado sempre é fundo para que o agora possibilite um futuro como criação” (BELMINO, 2014, p. 131).
    • a fronteira de contato no campo se dá no limite virtual entre o organismo e o meio, onde o “self” é flexivelmente variável, alterando-se de acordo com as necessidades dominantes que emergem (PERLS, HEFFERLINE EGOODMAN, 1997).
    • Perls, Hefferline e Goodman (1997) descrevem a fisiologia enquanto um sistema de ajustamentos conservativos herdados na interação organismo/ambiente
    • o corpo passa a ser lido enquanto unidade integradora de sentido: “é nele que o sentido da experiência se expressa, e a expressão para Merleau-Ponty se define justamente por esse ato que institui concretude ou facticidade a uma virtualidade ou possibilidade” (ALVIM et al, 2012, p.176).
    O virtual...
    • Virtual segundo Lévy (1999) remete a tradição filosófica definindo-se como aquilo que não é atual, que é possibilidade potencial.
    • Segundo Basso (2016) O virtual é aquilo que existe em potência e não em ato, sua tendência é atualizar-se. Por exemplo, uma árvore está virtualmente presente na semente. Virtual e atual não são contraditórios, mas sim modos diferentesde ser. Já o real é o que de fato existe (p.276).
    Virtualidade, Corpo e Contato...
    • a leitura do “self” do Gestalt- terapia (1997) caminham para a compreensão da dimensão virtual como intrínseca a  experiência humana, sendo, portanto, exaltada pelo ciberespaço.
    • Basso (2016) traz que a internet nos colocou “[...] em atualização, reconfiguração de nossas fronteiras no campo organismo/ambiente” (p.294), sendo assim também se evidencia como um lugar de contato.
    • como trazem Perls, Hefferline e Goodman (1997) mesmo havendo contato, nem sempre há “awareness”, portanto, a cibercultura pode reservar em sua condição certas limitações.
    • Almeida e Santos (2017), Capanema e Avanza (2013) e Lima (2009) o ambiente virtual converge para uma exacerbação de representações, onde seus atores ao se enxergarem em um amplo campo de possibilidades trafegam em instabilidade e fluidez.
    • O virtual enquanto um aspecto presente na experiência humana parece assumir no ciberespaço o lugar de figura frente a um fundo de imprevisibilidade.
    • no ciberespaço o caráter virtual do “self” e da experiência se evidencia na explosão desenfreada de possibilidades, tornando a função de ego imersa em um circuito inassimilável e agigantado de informações.
    REFERÊNCIAS
      Artigo: Contato, Virtualidade e Ciberespaço: Uma reflexão à luz da Gestalt-terapia. Rodrigo Pinto Brasil e Marcus César de Borba Belmino

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