Resumo so texto: Facilitadores e coordenadores de grupos




Gostar e acreditar em grupos. É claro que qualquer atividade profissional exige que o praticante goste do que faz, caso contrário ele trabalhará com um enorme desgaste pessoal e com algum grau de prejuízo em sua tarefa. No entanto, atrevo-me a dizer que, particularmente na coordenação de grupos, esse aspecto adquire uma relevância especial, porquanto a Gestalt de um grupo, qual um "radar", capta com mais facilidade aquilo que lhe é "passado" pelo coordenador, seja entusiasmo ou enfado, verdade ou falsidade, etc.

Cabe deixar bem claro que o fato de se gostar de trabalhar com grupos de modo algum exclui o fato de vir a sentir transitórias ansiedades, cansaço, descrenças, etc.

Amor às verdades. Não é exagero afirmar que essa é uma condição sinequanon para um coordenador de qualquer grupo

 — muito especialmente para os de propósito psicanalítico 
—, pois ninguém contesta que a verdade é o caminho régio para a confiança, a criatividade e a liberdade.

É necessário esclarecer que não estamos aludindo a uma caça obsessiva em busca das verdades, até mesmo porque as mesmas nunca são totalmente absolutas e dependem muito do vértice de observação, mas, sim, referimos-nos à condição do coordenador ser verdadeiro.

O coordenador que não possuir esse atributo também terá dificuldades em fazer um necessário discernimento entre verdades, falsidades e mentiras que correm nos campos grupais. Da mesma forma, haverá um prejuízo na sua importante função de servir como um modelo de identificação, de como enfrentar as situações difíceis da vida.

No caso dos grupos psicoterápicos, o atributo de o coordenador ser uma pessoa veraz, além de um dever ético, também é um princípio técnico fundamental, pois somente através do amor às verdades, por mais penosas que elas sejam, os pacientes conseguirão fazer verdadeiras mudanças internas. Ademais, tal atitude do grupo terapia, modelará a formação do indispensável clima de uma leal franqueza entre os membros que partilham uma grupo terapia.

·       Coerência.

 Nem sempre uma pessoa verdadeira é coerente, pois, conforme o seu estado de espírito, ou o efeito de uma determinada circunstância exterior, é possível que ele próprio se "desdiga" e modifique posições assumidas. Pequenas incoerências fazem parte da conduta de qualquer indivíduo: no entanto, a existência de incoerências sistemáticas por parte de algum educador:

— Como são aquelas provindas de pais, professores, etc.
— Leva a criança a um estado confusional e a um abalo na construção dos núcleos de confiança básica.

De fato, é altamente danoso para o psiquismo de uma criança que, diante de uma mesma "arte", em um dia ela seja aplaudida pelos pais e, num outro, seja severamente admoestada ou castigada; assim como é igualmente patogênica a possibilidade de que cada um dos pais, separadamente, sejam pessoas coerentes nas suas posições, porém manifestamente incoerentes entre as respectivas posições assumidas perante o filho. Essa atitude do educador constitui uma forma de desrespeito à criança.

O mesmo raciocínio vale integralmente para a pessoa de coordenador de algum grupo, porquanto, de alguma forma, ele também está sempre exercendo um certo grau de função educadora.

•          Senso de ética.

O conceito de ética, aqui, alude ao fato de que um coordenador de grupo não tem o direito de invadir o espaço mental dos outros, impondo-lhes os seus próprios valores e expectativas; pelo contrário, ele deve propiciar um alargamento do espaço interior e exterior de cada um deles, através da aquisição de um senso de liberdade de todos, desde que essa liberdade não invada a dos outros.

Da mesma forma, falta com a ética o coordenador de grupo que não mantém um mínimo de sigilo daquilo que lhe foi dado em confiança, ou pelas inúmeras outras formas de faltar com o respeito para com os outros.

•          Respeito.

Este atributo tem um significado muito mais amplo e profundo do que o usualmente empregado. Respeito vem de re (de novo) + spectore (olhar), ou seja, é a capacidade de um coordenador de grupo voltar a olhar para as pessoas com as quais ele está em íntima interação com outros olhos, com outras perspectivas, sem a miopia repetitiva dos rótulos e papéis que, desde criancinha, foram-lhes incutidos. Igualmente, faz parte deste atributo a necessidade de que haja uma necessária distância ótima entre ele e os demais, uma tolerância pelas falhas e limitações presentes em algumas pessoas do grupo, assim como uma compreensão e paciência pelas eventuais inibições e pelo ritmo peculiar de cada um.
Tudo isso está baseado no importante fato de que a imagem que uma mãe ou pai (o terapeuta, no caso de uma grupoterapia) tem dos potenciais dos seus filhos (pacientes) e da famflia como um todo (equivale ao grupo) se torna parte importante da imagem que cada indivíduo virá a ter de si próprio.

•          Paciência.

Habitualmente, o significado desta palavra está associado a uma idéia de passividade, de resignação, e o que aqui estamos valorizando como um importante atributo de um coordenador de grupo é frontalmente oposto a isso. Paciência deve ser entendida como uma atitude ativa, como um tempo de espera necessário para que uma detenninada pessoa do grupo reduza a sua possível ansiedade paranóide inicial, adquira uma confiança basal nos outros, permita-se dar uns passos rumo a um terreno desconhecido, e assim por diante. Assim concebida, a capacidade de paciência faz parte de um atributo mais contingente, qual seja, o de funcionar como um continente.
•          Continente. Cada vez mais, na literatura psicológica em geral, a expressão "continente" (é original de Bion) amplia o seu espaço de utilização e o reconhecimento pela importância de seu significado. Esse atributo alude originariamente a uma capacidade que uma mãe deve possuir para poder acolher e conter as necessidades e angústias do seu filho, ao mesmo tempo que as vai compreendendo, desintoxicando, emprestando um sentido, um significado e especialmente um nome, para só então devolvê-las à criança na dose e no ritmo adequados às capacidades desta.

  • A capacidade do coordenador de grupo em funcionar como um continente é importante por três razões:
  • Permite que ele possa conter as possíveis fortes emoções que podem emergir no campo grupal provindas de cada um e de todos e que, por vezes, são colocadas de forma maciça e volumosa dentro de sua pessoa.
  • Possibilita que ele contenha as suas próprias angústias, como é o caso, por exemplo, de não saber o que está se passando na dinâmica do grupo, ou a existência de dúvidas, de sentimentos despertados, etc. Essa condição de reconhecer e conter as emoções negativas costuma ser denominada capacidade negativa e será melhor descrita no tópico que segue abaixo.
  • Faz parte da capacidade de continente da mãe (ou do coordenador de um grupo) a assim denominada, por Bion, função alfa, que será descrita um pouco mais adiante, em "Função de ego auxiliar".

•      Capacidade negativa.

Como antes referido, no contexto deste capítulo, esta função consiste na condição de um coordenador de grupo de conter as suas próprias angústias, que, inevitavelmente, por vezes, surgem em alguma forma e grau, de modo a que elas não invadam todo espaço de sua mente.

Não há porque um coordenador de um grupo qualquer ficar envergonhado, ou culpado, diante da emergência de sentimentos "menos nobres" despertados pelo todo grupal, ou por determinadas pessoas do grupo, como podem ser, por exemplo, um sentimento de ódio, impotência, enfado, excitação erótica, confusão, etc., desde que ele reconheça a existência dos mesmos, e assim possa conter e administrá-los. Caso contrário, ou ele sucumbirá a uma contra atuação ou trabalhará com um enorme desgaste.

•      Função de ego auxiliar.

A "função alfa" antes referida, originariamente, consiste na capacidade de uma mãe exercer as capacidades de ego (perceber, pensar, conhecer, discriminar, juízo crítico, etc.) que ainda não estão suficientemente desenvolvidas na criança.

A relevância deste atributo se deve ao fato de que um filho somente desenvolverá uma determinada capacidade — digamos, para exemplificar, a de ser um continente para si aos demais — se a sua mãe demonstrou possuir essa capacidade.
Igualmente, um coordenador de grupo deve estar atento e disponível para, durante algum tempo, emprestar as suas funções do ego às pessoas que ainda não as possuem, o que acontece comumente quando se trata de um grupo bastante regressivo.
Creio que, dentre as inúmeras capacidades egóicas que ainda não estão suficientemente desenvolvidas para determinadas funções, tarefas e comportamentos, e que temporariamente necessitam de um "ego auxiliar" por parte do coordenador do grupo, merecem um registro especial as funções de pensar, discriminar e comunicar.

•      Função de pensar.

É bastante útil que um coordenador de grupo, seja qual for a natureza deste, permaneça atento para perceber se os participantes sabem pensar as ideias, os sentimentos e as posições que são verbalizados, e ele somente terá condições de executar essa tarefa se, de fato, possuir esta função de saber pensar.

Pode parecer estranha a afirmativa anterior; no entanto, os autores contemporâneos enfatizam cada vez mais a importância de um indivíduo pensar as suas experiências emocionais, e isso é muito diferente de simplesmente "descarregar" os nascentes pensamentos colocados para fora (sob a forma de um discurso vazio, projeções, actings, etc.) ou para dentro (somatizações).

A capacidade para "pensar os pensamentos" também implica escutar os outros, assumir o próprio quinhão de responsabilidade pela natureza do sentimento que acompanha a ideia, estabelecer confrontos e correlações e, sobretudo, sentir uma liberdade para pensar.

Vou me permitir observar que: "muitos indivíduos pensam que pensam, mas não pensam, porque estão pensando com o pensamento dos outros (submissão ao pensamento dos pais, professores, etc.), para os outros (nos casos de "falso self'), contra os outros (situações paranoides) ou, como é nos sujeitos excessivamente narcisistas: "eu penso em mim, só em mim, a partir de mim, e não penso em mim com os outros, porque eu creio que esses devem gravitar em torno do meu ego".

•      Discriminação.

Faz parte do processo de pensar. Capacidade de estabelecer uma diferenciação entre o que pertence ao próprio sujeito e o que é do outro, fantasia e realidade, interno e extemos, presente e passado, o desejável e o possível, o claro e o ambíguo, verdade e mentira, etc.

Particularmente, para um coordenador de grupo, este atributo ganha relevância em razão de um possível jogo de intensas identificações projetivas cruzadas em todas as direções do campo grupal, o qual exige uma clara discriminação de "quem é quem", sob o risco do grupo cair em uma confusão de papéis e de responsabilidades. Acredito que os terapeutas que trabalham com casais e famílias podem testemunhar e concordar com esta última colocação.

•      Comunicação.

Para atestar a importância da função de comunicar — tanto no conteúdo quanto na forma da mensagem emitida — cabe a afirmativa de que a linguagem dos educadores determina o sentido e as significações das palavras e gera as estruturas da mente.

O atributo de um coordenador de grupo em saber comunicar adequadamente é particularmente importante no caso de uma grupo terapia psicanalítica, pela responsabilidade que representa o conteúdo de sua atividade interpretativa o seu estilo de comunicá-la e, sobretudo, se ele está sintonizado no mesmo canal de comunicação dos pacientes (por exemplo, não adianta formular interpretações em termos de complexidade simbólica para pacientes regressivos que ainda permanecem numa etapa a de pensamento concreto, e assim por diante). Em relação ao estilo, deve ser dado um destaque ao que é de natureza narcisista, tal como segue logo adiante.

Um aspecto parcial da comunicação é o que diz respeito à atividade interpretativa, e como essa está intimamente ligada ao uso das verdades, como antes foi ressaltado, torna-se necessário estabelecer uma importante conexão entre a formulação de uma verdade penosa de ser escutada e a manutenção da verdade.

Tomarei emprestada de Bion uma sentença que sintetiza tudo o que estou pretendendo destacar: amor sem verdade não é mais do que paixão, no entanto, verdade sem amor é crueldade.

É igualmente importante que um coordenador de grupo qualquer valorize o fato de que a comunicação não é unicamente verbal, porquanto tanto ele como o seu grupo estão continuamente se comunicando através das mais sutis formas de linguagem não-verbal.

• Traços caracterológicos.

Tanto melhor trabalhará um coordenador de grupo quanto melhor ele conhecer a si próprio, os seus valores, idiossincrasias e caracterologia predominante. Dessa forma, se ele for exageradamente obsessivo (embora com a ressalva de que uma estrutura obsessiva, não excessiva, é muito útil, pois determina seriedade e organização), vai acontecer que o coordenador terá uma absoluta intolerância a qualquer atraso, falta e coisas do gênero, criando um clima de sufoco, ou gerando uma dependência submissa.

Igualmente, uma caracterologia fóbica do coordenador pode determinar que ele evite entrar em contato com determinadas situações angustiantes, e assim por diante. No entanto, vale destacar aqueles traços caracterológicos que são predominantemente de natureza narcisista. Nestes casos, o maior prejuízo é que o coordenador estará mais voltado para o seu bem-estar do que para o dos demais.

 A necessidade de receber aplausos pode ser tão imperiosa, que há o risco de que se estabeleçam conluios inconscientes, com o de uma recíproca fascinação narcisista, por exemplo, onde o valor máximo é o de um adorar o outro, sem que nenhuma mudança verdadeira ocorra. Uma outra possibilidade nociva é a de que o coordenador seja tão brilhante que ele deslumbra ("des" + "lumbre", ou seja, ofusca porque "tira a luz") às pessoas do grupo, como seguidamente, grupoterapeutas e seus pacientes.
Neste último caso, o dogmático discurso interpretativo pode estar mais a serviço de uma fetichização, isto é, da manutenção do ilusório, de seduzir e dominar, do que propriamente a uma comunicação, a uma resposta, ou a abertura para reflexões. A retórica pode substituir a produção conceitual.

Um outro inconveniente que decorre de um coordenador excessivamente narcisista é que ele tem a sensação de que tem a propriedade privada sobre os "seus pacientes", do futuro dos quais ele crê ter a posse e o direito de determinar o valor deles. Nestes casos, é comum que este terapeuta trabalhe mais sobre os núcleos conflitivos e os aspectos regressivos, descartando os aspectos mais maduros e as capacidades sadias do ego.

Da mesma forma, um grupo terapeutas assim pode ser tentado a fazer exibição de uma cultura erudita, de fazer frases de efeito que, mais do que um simples brilho que lhe é tão necessário, o que ele basicamente visa, no plano inconsciente, é manter uma larga diferença entre ele e os demais do grupo.

          Modelo de identificação.

Todos os grupos, mesmo os que não são especificamente de natureza terapêutica, de uma forma ou outra, exercem uma função psicoterápica. Isso, entre outras razões, deve-se ao modelo exercido pela figura do coordenador do grupo, pela maneira como ele enfrenta as dificuldades, pensa os problemas, estabelece limites, discrimina os distintos aspectos das diferentes situações, maneja com as verdades, usa o verbo, sintetiza, integra e dá coesão ao grupo. Com outras palavras, o grupo também propicia uma oportunidade para que os participantes introjetem a figura do coordenador e, dessa forma, identifiquem-se com muitas características e capacidades dele.
Nos casos de grupo terapia psicanalítica, vale acrescentar que a atividade interpretativa do grupo terapeutas também deve visar a fazer desidentificações, ou seja, desfazer as identificações patógenas que podem estar ocupando um largo espaço na mente dos pacientes, e preencher esse espaço mental formado com neo identificações, entre as quais pontifica as que procedem do modelo da pessoa real do grupo terapeutas.
  
          Empatia.

Todos os atributos antes discriminados exigem uma condição básica para que adquiram validade, qual seja a de que exista uma sintonia emocional do coordenador com os participantes do grupo.

Tal como designa a etimologia desta palavra [as raízes gregas são: em (dentro de) + pathos (sofrimento)], empatia refere-se ao atributo do coordenador de um grupo de poder se colocar no lugar de cada um do grupo e entrar dentro do "clima grupal" Isso é muito diferente de simpatia (que se forma a partir do prefixo sim, que quer dizer ao lado de e não dentro de).

A empatia está muito conectada à capacidade de se poder fazer um aproveitamento útil dos sentimentos contratransferências que estejam sendo despertados dentro do coordenador do grupo, porém, para tanto, é necessário que ele tenha condições de distinguir entre os sentimentos que provêm dos participantes daqueles que pertencem unicamente a ele mesmo.

REFERÊNCIA: ZIMERMAN & OSÓRIO. Como trabalhar com Grupos. p. 42 a 46.

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