“Cheguei em casa, aliás no meu
barracão, nervosa e exausta. Pensei na vida atribulada que eu levo. Cato papel,
lavo roupa para dois jovens, permaneço na rua o dia todo. E estou sempre em
falta. A Vera não tem sapatos. E ela não gosta de andar descalça. Faz uns dois
anos, que eu pretendo comprar uma máquina de moer carne. E uma máquina de
costura. (Jesus, Carolina de, 2014, p. 12).
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Os debates sobre desigualdades não podem ser
apartados de discussões que considerem eixos de poder e diferenciação como
raça, enia, sexualidade, gênero, nacionalidade, dentre outros.
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O convite é que a partir de uma experiência que
transita entre psicologia e obra literária, que nós possamos encarar processos
psicossociais de modo mais amplificado.
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Através do “Quarto de despejo: diário de uma
favelada”, de Carolina Maria de Jesus, podemos entender a complexidade da
categoria mulher, porque há uma multiplicidade delas, com experiências plurais,
que não podem ser reduzidas uma única voz, nem a uma única experiência
profissional.
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Carolina Maria de Jesus (1914-1977) nasceu em Sacramento, cidade do interior de Minas
Gerais. Morou com sua mãe, teve uma experiência pobre, trabalhou na roça e
depois como empregada doméstica.
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Aos 23 anos migrou pra São Paulo, voltou a
trabalhar como doméstica e passou a morar em cortiços. Em 1948, mudou-se para a
favela do Canindé, às margens do Rio Tietê. A atividade laboral que mais
exerceu foi a de catar papéis pelas ruas da cidade.
Monstras perigosas: pistas de
carolina de jesus para intervenção psicossocial
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A escrita para Carolina não era uma escolha, mas
um destino. A elaboração da história do seu sofrimento cujo cenário é a favela
e cuja protagonista é a fome.
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Fome que Carolina acreditava ser amarela, assim
como o governo que não ouve suas reclamações, os serviços públicos, o juizado
de menores, a enfermidade, a pobreza.
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Compreendida como subversiva por levar a público
as mazelas da legião de pobres da metrópole, a escritora é sutilmente tirada de
cena com a instalação da ditadura.
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Seu estranho diário é um modo visceral de tomada de consciência de si e dos outros,
da cor da sua pele, do cenário em que viveu e pelo qual deambulou pelas ruas de
São Paulo à cata de papel.
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Aqui, Carolina é compreendida como sujeita do
conhecimento, capaz de criar categorias próprias, sendo protagonista de sua
história a partir da sua própria experiência.
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Embora a fome figurasse como uma das principais
personagens, Carolina tinha muito a dizer e a ensinar, seguindo a linha que
Anzaldúa (2000, p. 235) definiu muito bem: “Mesmo se estivermos famintas, não
somos pobres de experiência”.
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Tais mulheres têm sido combatidas e
representadas como “monstras perigosas” justamente por desequilibrarem e
romperem as imagens estereotipadas que o (a)s branco(a)s possuem delas.
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Sua escrita é uma convocação às mulheres, pois
parte do princípio que uma mulher que escreve tem poder e, por isso, é temida.
Escrever é um ato de resistência. Deve-se, para tanto, sugar o sangue vital da
própria experiência e derramá-lo sobre a tinta da caneta.
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Como dizia Lélia Gonzalez (1984) na década de
80, a favela era o lugar no qual pobres e negros amontoavam-se em cubículos,
favelas, cortiços, conjuntos habitacionais. Peça fora de uso, amontoada num
quarto de despejo, era assim que Carolina se via.
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Nas palavras da própria Carolina: “... Nós somos
pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo
e dos marginais. Gente da favela é considerada marginais (Jesus, 1960/2007, p.
55).
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Como dizia Lélia Gonzalez (1984) na década de
80, a favela era o lugar no qual pobres e negros amontoavam-se em cubículos,
favelas, cortiços, conjuntos habitacionais. Peça fora de uso, amontoada num
quarto de despejo, era assim que Carolina se via.
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Nas palavras da própria Carolina: “... Nós somos
pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo
e dos marginais. Gente da favela é considerada marginais (Jesus, 1960/2007, p.
55).
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“Havia pessoas que nos visitava e dizia: -
Credo, para viver num lugar assim só os porcos. Isso aqui é o chiqueiro de São
Paulo” (Jesus, 1960/2007, p. 36).
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Os moradores do Canindé, dessa forma, eram
transformados em urubus, lixo, dejetos, enfim, eles eram coisas, o que lhe
tirava qualquer traço de humanidade. Esse modo de pensar justifica ainda hoje o
isolamento e o extermínio.
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Ao ler o livro de Carolina, é possível
perceber que a fome é a principal
protagonista dessa história: “Passei uma noite horrível. Sonhei que eu residia
numa casa residível. (...) Sentei na mesa para comer (...) Eu comia bife, pão
com manteiga, batata frita e salada. Quando fui pegar outro bife despertei
(Jesus, 1960/2007, p. 40).
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“Eu escrevia peças e apresentava aos diretores
de circo. Eles respondia-me: - É pena você ser preta”.
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“Quando eu era menina o meu sonho era ser homem
para defender o Brasil porque eu lia a História do Brasil e ficava sabendo que
existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensores da pátria (Jesus,
2007, p. 65)”.
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É preciso considerar o sofrimento como oriundo
da espoliação econômica, do racismo, da segregação, da dominação e da pobreza.
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