- A atividade turística tem impacto também na saúde das populações de comunidades anfitriãs.
- o objetivo deste artigo é analisar como o cenário sexual no contexto do turismo e seus scripts sexuais constroem a vulnerabilidade de caiçaras às DSTs/HIV e ao mercado sexual.
- Scripts sexuais tradicionais operacionalizados num cenário de “curtição”, “prazer”, “desinibição sexual”, evidenciaram desigualdades sociais entre caiçaras e turistas que ampliam a vulnerabilidade dos jovens às DSTs/HIV e à mercantilização de sua sexualidade.
Os impactos socioeconômicos e
culturais da atividade turística sob a ótica das
populações locais aponta questões como:
- a proliferação de doenças decorrentes das condições de saneamento ambiental;
- o aumento das infecções por DSTs/HIV/hepatites em decorrência de relações sexuais desprotegidas envolvendo turistas e moradores locais, turistas e profissionais do sexo e turistas entre si;
- o incremento do mercado do sexo, incluindo tanto a prostituição profissional como a exploração sexual de jovens;
- as emergências médicas decorrentes do uso de álcool e outras drogas pelos turistas (acidentes de trânsito, afogamentos, mortes por overdose);
- o aumento do consumo dessas substâncias entre os jovens nativos.
O Brasil é visto como país sexualmente “desinibido” (Parker, 1991) ou
da exposição dos corpos em relações de sociabilidade
à beira-mar. As representações do litoral estão vinculadas
às noções de desejo, espetáculo e terapia (Coriolano,
2007).
Os teóricos do chamado “campo
contrucionista”, que definem a sexualidade como
construção social (Gagnon & Simon, 1973; Parker &
Aggleton, 1999).
O conceito de script sexual tem permitido
compreender como diferentes comunidades estruturam
as possibilidades de interação sexual com regras que
podem ser explícitas ou implícitas (Parker, 1991).
Os
scripts sexuais e de gênero estariam, portanto,
ancorados em contextos socioculturais, não seriam
generalizáveis e dependeriam dos significados das
práticas realizadas em cada “cena sexual”, construídos
em articulação com outros sistemas de organização da
vida social nos quais são socializados (por exemplo,
classe, gênero, religião) (Paiva, 1999, 2000, 2002a,
2006).
Este artigo analisará o cenário sexual no contexto
turístico em duas regiões litorâneas brasileiras,
problematizando de que modo suas características
poderiam ampliar a vulnerabilidade de jovens
moradores(as) dessas comunidades às DSTs/aids e ao
mercado sexual.
Discute “Cenários de
vulnerabilidade ao HIV/Aids no contexto turístico:
envolvimento afetivo-sexual, mercado sexual e uso de
álcool e outras drogas em comunidades caiçaras do
litoral sul de São Paulo e do Rio de Janeiro”
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O contexto sociocultural e o cenário sexual nas
comunidades turísticas, durante a temporada,
o verão, a praia, a paquera, o fluxo de pessoas e a
diversidade cultural - mas também, as diferenças
sociais, a pobreza, o desemprego dos jovens - são
alguns dos elementos dos cenários paulista e
fluminense.
Destaca-se a presença do
estrangeiro branco das classes sociais mais
favorecidas. Havia um clima presente de paquera, “azaração” entre
moradores (as) e turistas, uso de drogas, álcool, cigarro, onde o consumo coletivo de álcool e drogas
na “balada”, associado à prerrogativa de “curtir”, com
a conotação de radicalizar, “fazer de tudo”, “se
esbaldar”, pareceu contrário à idéia de
responsabilidade, prudência e cuidadoNessa sociabilidade “mista” desenvolviam-se
os contatos afetivo-sexuais nomeados de “ficar”,
“azarar”, “catar”, “paquerar”.
O cenário sexual das diversas cenas revelava-se
em diferentes ambientes, “palcos” das cenas sexuais
(Paiva, 2006) tais como a praia, o mar, as lanchas, a
cachoeira, a trilha, a travessia de barco, os bares, as
pousadas e hotéis, a barraca do camping, o forró e o
reggae na praia e as baladas em geral.
As cenas sexuais coletadas confirmaram a
existência de interações sócio-sexuais também
mediadas pelo duplo atributo do erótico e do exótico
(Ouriques, 2005). A
exoticidade relaciona-se com o olhar estereotipado,
pela construção “do outro” (de lá, ou de cá)
fortemente marcada pelas desigualdades entre
moradores e turistas no acesso à renda, aos bens
culturais, de lazer e consumo, bem como à educação,
trabalho e renda.
As trocas sexuais (Moraes, 1998) na forma de
convites para “baladas”, “passeios de barco”,
“conhecer o hotel”, “jantar”, entre outras, integram o
cenário sexual das comunidades e ampliam a
vulnerabilidade social de jovens de ambos os sexos ao
envolvimento com o mercado sexual, em especial no
Litoral Sul do Rio de Janeiro.
Os convites para
“programas” ou para “práticas sexuais em grupo”,
com ou sem pagamento em dinheiro, indicaram
diferentes “roupagens” do mercado sexual.
Trajetórias, cenas e scripts sexuais na construção da
vulnerabilidade ao HIV e ao mercado sexual
- emergiram trajetórias sexuais femininas e masculinas mais “descompromissadas”, e iniciação sexual fora da lógica da conjugalidade, ou seja, como “treino” e experimentação, ancorados na noção de “fases da vida” (Heilborn, 1999a, 2006).
- A maioria das meninas iniciou a vida sexual com rapazes locais e com uso do preservativo.
- Nas trajetórias sexuais dos rapazes, todos já tinham vivido várias experiências afetivo-sexuais com turistas, mais frequentemente garotas da mesma faixa etária que a deles.
- Todos já tinham tido experiências de sexo sem preservativo com parceiras esporádicas, incluindo garotas turistas e parceiras estáveis.
Scripts sexuais femininos
- ilustram como se dá a ampliação da vulnerabilidade às DSTs/aids no contexto do turismo.
- O “clima” da cena sexual acima: “rápido” e de “excitação”, “tesão”, e “chapada” (alusão à consciência alterada por álcool ou droga) concorre com o uso do preservativo.
- dificuldade em tomar a iniciativa de usar o preservativo está em desacordo com os scripts sexuais femininos mais tradicionais de passividade e ingenuidade, aceitáveis para as performances e atitudes ancoradas na normatividade social distinta entre os gêneros.
- constrangimento feminino de negociar o preservativo.
- estranhamento em atribuir à mulher a responsabilidade de abordar o tema do preservativo no momento do sexo.
- expectativas estereotipadas e fantasiosas de mudança de vida e ascensão social a partir de um relacionamento com um turista
- o reconhecimento compartilhado do aumento exponencial que o uso de álcool e as drogas exerce sobre a vulnerabilidade ao sexo não protegido e à absorção no mercado sexual.
- A cena de namoro e romantismo se transforma em uma cena associada ao mercado sexual, onde a jovem passa de namorada ou “ficante” a garota de programa
Scripts sexuais masculinos
- a impulsividade é um elemento dos scripts sexuais masculinos que aumenta a vulnerabilidade às DSTs/aids e interfere na adoção do preservativo.
- Os rapazes não faziam planos de relacionamentos duradouros com as turistas e tendiam a achar que as mulheres locais, por serem “conhecidas”, eram “melhores pra casar”.
- “catar as garotas”, aproveitar os contatos com as turistas como oportunidades para o sexo, “não se controlar”, agir sexualmente conforme os “instintos”, buscar ativamente o sexo, estar sempre disponível à sedução das mulheres (incluindo as turistas), não “negar fogo e ser ponta firme”, nos termos dos jovens, contribuem para aumentar sua vulnerabilidade às DSTs/aids.
- Com relação à vulnerabilidade ao mercado sexual, apenas os rapazes das comunidades litorâneas do Rio de Janeiro descreveram cenas em que recebiam propostas para realizar diferentes tipos de serviços sexuais a partir de homens homossexuais.
- A cultura machista e homofóbica se impõe ao script sexual masculino, embora justificavam as trocas de serviços sexuais pela oferta de altas quantias
CONSIDERAÇÕES FINAIS
- permitem compreender o modo como o turismo atravessa as trajetórias dos(as) jovens monitores(as) ambientais e de suas comunidades, assim como de suas cenas sexuais.
- Os scripts sexuais marcados pelo gênero, embora semelhantes aos observados em outros contextos e cenários sexuais, são manejados de modo singular no cenário sexual no contexto do turismo, interferindo na dinâmica da vida afetivo-sexual, e merecem ser considerados na sua especificidade pelos trabalhadores da prevenção.
- As interações sócio-sexuais de jovens com turistas se iniciam marcadas por estereótipos, sendo o turista associado ao dinheiro que facilita a sobrevivência da economia local e financia passseios e “baladas”, e o caiçara, associado o duplo atributo do erótico e do exótico, conferindo virilidade e sensualidade, o que o sexo aumenta seu valor como moeda de troca e de favores.
- O “script de turista”, por outro lado, inclui fenômenos como a “inversão comportamental” (Burns, 2002; Ross, 2001)), caracterizada pela tendência das pessoas, em viagem de lazer, a desenvolverem atitudes “exageradas” (por exemplo, consumir mais álcool) ou de “abrandamento”, diminuindo os comportamentos de cuidado à saúde (por exemplo, “esquecer” de usar preservativo), uma espécie de relaxamento no cumprimento de regras costumeiramente praticadas.
- As relações mais desiguais - por exemplo, entre “homem rico estrangeiro” e “homem pobre brasileiro” - contribuía para que os jovens estivessem em contextos mais vulneráveis à exposição às DSTs/aids, ou ao abuso, ao se colocarem como “objeto dos desejos e scripts sexuais dos outros” (Paiva, 2000, p. 51).
- A necessidade de sobrevivência econômica dos moradores e sua constituição enquanto mercadoria, por meio da reprodução das relações servis no âmbito do trabalho, explicam parte da dinâmica.
- Associada às representações do turismo e do litoral, a sexualidade também se constitui em mais um atrativo turístico, em benefício da comunidade local ou para seu prejuízo, a depender de como as lideranças e formuladores de políticas públicas municipais se posicionem, como demonstrado por Benzaken, Galban, Sardinha e Paiva (2007).
- O cenário sociocultural no contexto do turismo constrói um cenário sexual singular e a dinâmica dos scripts sexuais nesse contexto tem dimensões teórico-práticas que representam desafios à qualidade das abordagens de prevenção junto às comunidades anfitriãs de turismo.
SCRIPTS EM CENA: HIV E MERCADO SEXUAL NO CONTEXTO TURÍSTICO
Renata Bellenzani;
Cely Blessa;
Vera Paiva
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