terça-feira, 20 de setembro de 2022

Anorexia Nervosa (AN)

 A anorexia nervosa (AN) se caracteriza:

  •  pela perda de peso intensa e intencional (pelo menos 15% do peso corporal original) à custa de dietas altamente restritivas, busca desenfreada pela magreza, recusa em manter o peso corporal acima do mínimo normal para a idade, amenorreia (ausência de três menstruações consecutivas) e distorção da imagem corporal. 
  • Apresenta traços como obsessividade, perfeccionismo, passividade e introversão, comuns em anoréxicos e permanecem estáveis mesmo após a recuperação do peso.
 Quando inicia a anorexia?

Embora se inicie na adolescência (geralmente entre 13 a 17 anos), casos com início na infância e após 40 anos têm sido observados (CÂNDIDO et al 2014). 

Existem dois tipos de apresentação da anorexia nervosa: 

  1. o restritivo (comportamentos restritivos associados à dieta)
  2. o purgativo (ocorrência de episódios de compulsão alimentar seguidos de métodos compensatórios como vômitos e uso de laxantes e diuréticos). 
Conjunto de sintomas  referidos pelos pacientes anoréxicos, segundo Cândido et al (2014), estão: 

  • intolerância ao frio, 
  • fadiga, 
  • queda de cabelos, 
  • constipação, 
  • dor abdominal, 
  • anorexia, 
  • letargia, 
  • pés e mãos frios, 
  • amenorreia, 
  • dificuldade de concentração, 
  • entre outros.

Epidemiologia da anorexia nervosa

  • ocorre mais frequentemente em mulheres jovens, com prevalência ao longo da vida estimada neste grupo entre 0,5-3,7%. 
  • As taxas de incidência relatadas por equipes de saúde mental dos países desenvolvidos aumentaram substancialmente nas últimas décadas, atualmente girando em torno de cinco casos por 100.000 habitantes. 
  • É referida uma menor prevalência na maioria dos países orientais e em desenvolvimento, mas não existem estudos epidemiológicos definitivos neste sentido.
  •  A proporção entre homens e mulheres varia em torno de 1:10, sendo que essa diferença se atenua em amostras com idade mais precoce. São relatados dois picos de incidência: entre 14-15 e aos 18 anos (TAVARES et al 2003). 
  • Aspectos socioculturais parecem exercer grande influência nos transtornos alimentares, de forma ainda pouco compreendida. 
  • Profissões em que existe valorização da magreza – por trabalharem com a comercialização da imagem (modelos, atrizes) ou por exigirem leveza para melhor desempenho (jóqueis, bailarinas) – apresentam maior risco para o desenvolvimento destes transtornos. 
  •  Alguns autores relacionam a possível maior incidência de transtornos alimentares no mundo ocidental com a evolução do padrão de beleza feminino em direção a um corpo cada vez mais magro nestas culturas, mas este dado é ainda controverso. 
  • Embora o chamado “culto ao corpo” e a pressão social para o emagrecimento possam ser localizados em sociedades ocidentais, particularmente no pós-modernismo, não está claro até o momento de que forma atuariam na determinação de uma patologia alimentar.
  •  Três possibilidades principais permanecem em estudo, segundo DiNicola: 
    •  uma improvável relação de causalidade direta; 
    • a ideia da pressão cultural como um fator precipitante, aumentando a vulnerabilidade ao surgimento do transtorno quando associado a outros fatores; 
    • ou ainda, apenas como determinante de uma forma de apresentação da doença síntone com o universo cultural da paciente em questão (em culturas orientais, por vezes não são encontrados de forma tão clara como no ocidente sintomas como o medo de engordar ou a busca da magreza como valor). 
  • É importante salientar que estudos transculturais têm demonstrado a ocorrência de casos significativos de anorexia nervosa mesmo em localidades onde não vigora um padrão estético relacionado à magreza (TAVARES et al 2003). 
Critérios diagnósticos da Anorexia Nervosa

A. Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física. Peso significativamente baixo é definido como um peso inferior ao peso mínimo normal ou, no caso de crianças e adolescentes, menor do que o minimamente esperado. 

B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso, mesmo estando com peso significativamente baixo. 

C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual (DSM-5, 2013). 

Subtipos de Anorexia Nervosa

compulsão alimentar purgativa 
  • que se envolvem em comportamentos periódicos de hiperfagia 
  •  purga por meio de vômitos autoinduzidos ou faz uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas. 
  • Alguns indivíduos não apresentam episódios de hiperfagia, mas purgam regularmente depois do consumo de pequenas quantidades de alimento. 
Obs.: A alternância entre os subtipos ao longo do curso do transtorno não é incomum; portanto, a descrição do subtipo deverá ser usada para indicar os sintomas atuais, e não o curso longitudinal (DSM-5, 2013). 

 As três Características essenciais da AN diagnósticas: 
  1.  restrição persistente da ingesta calórica; 
  2. medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso;
  3. perturbação na percepção do próprio peso ou da própria forma. 
O indivíduo mantém um peso corporal abaixo daquele minimamente normal para idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física (Critério A). 
  • O peso corporal dessas pessoas com frequência satisfaz esse critério  depois de uma perda ponderal significativa, porém, entre crianças e adolescentes, pode haver insucesso em obter o ganho de peso esperado ou em manter uma trajetória de desenvolvimento normal (enquanto cresce em altura) em vez de perda de peso (DSM-5, 2013). 
  • O Critério A, requer que o peso do indivíduo esteja significativamente baixo (inferior à faixa mínima normal ou, no caso de crianças e adolescentes, inferior à faixa mínima esperada). 
  • A determinação do peso pode ser problemática porque a faixa de peso normal difere entre indivíduos, e limiares diferentes foram publicados definindo magreza ou peso abaixo do normal. 
  • O índice de massa corporal (IMC; calculado como o peso em quilogramas dividido pela altura em m2 ) é uma medida útil para determinar o peso corporal em relação à altura.
  •  Para adultos, um IMC de 18,5 kg/m2 tem sido empregado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o limite inferior de peso corporal normal. 
  • Adultos:
    •  adultos com um IMC igual ou acima de 18,5 kg/m2 não seria considerada como com baixo peso corporal.
    •  adultos com um IMC inferior a 17,0 kg/m2 tem sido considerado pela OMS como indicativo de magreza moderada ou grave; 
    • um indivíduo com um IMC inferior a 17,0 kg/m2 provavelmente seria considerado com um peso significativamente baixo.
    • Um adulto com um IMC entre 17,0 e 18,5 kg/m2 , ou até mesmo acima de 18,5 kg/m2 , poderia ser considerado com um peso significativamente baixo se a história clínica ou outras informações fisiológicas corroborarem tal julgamento (DSM-5, 2013). 
  • Adolescentes
    •  Para crianças e adolescentes, determinar um percentil de IMC por idade é útil, porém, não é possível fornecer padrões definitivos para julgar se o peso de uma criança ou de um adolescente está significativamente baixo, e variações nas trajetórias de desenvolvimento entre os jovens limitam a utilidade de diretrizes numéricas simples. 
    • Os CDC usaram um IMC por idade abaixo do 5º percentil como sugestivo de peso abaixo do normal;
    • crianças e adolescentes com um IMC acima desse marco podem ser julgados como significativamente abaixo do peso em face do fracasso em manter sua trajetória de crescimento esperada. 
  • Obs.: ao determinar se o Critério A é satisfeito, o clínico deverá considerar diretrizes numéricas disponíveis, bem como a constituição corporal do indivíduo, a história ponderal e a existência de qualquer perturbação fisiológica (DSM-5, 2013).
Indivíduos com esse transtorno exibem geralmente medo intenso de ganhar peso ou de engordar (Critério B). 

  • Esse medo intenso de engordar não costuma ser aliviado pela perda de peso. Na verdade, a preocupação acerca do peso pode aumentar até mesmo se o peso diminuir.
  •  Indivíduos mais jovens com anorexia nervosa, bem como alguns adultos, podem não reconhecer ou perceber medo de ganhar peso.
 Na ausência de outra explicação para o peso significativamente baixo, podem ser usados, para estabelecer o Critério B:
  •  a inferência do clínico a partir da história fornecida por informantes, dados de observação, achados físicos e laboratoriais ou curso longitudinal indicando seja um medo de ganhar peso, seja comportamentos persistentes relacionados que impeçam o ganho de peso (DSM-5, 2013).
  •  A vivência e a significância do peso e da forma corporal são distorcidas nesses indivíduos (Critério C). 
    • Algumas pessoas sentem-se completamente acima do peso. 
    •  Outras percebem que estão magras, mas ainda assim se preocupam com determinadas partes do corpo, em particular que o abdome, os glúteos e o quadril estão “gordos demais”.
    • Elas podem empregar uma variedade de técnicas para avaliar o tamanho ou o peso de seus corpos, incluindo pesagens frequentes, medição obsessiva de partes do corpo e uso persistente de um espelho para checar áreas percebidas de “gordura”. 
    • A estima de indivíduos com anorexia nervosa é altamente dependente de suas percepções da forma e do peso corporal. 
    • A perda de peso é, com frequência, vista como uma conquista marcante e um sinal de autodisciplina extraordinária, enquanto o ganho ponderal é percebido como falha de autocontrole inaceitável. 
    • Embora alguns indivíduos com esse transtorno talvez reconheçam que estão magros, frequentemente não assumem as graves implicações médicas de seu estado de desnutrição (DSM-5, 2013). 
Quando o indivíduo é levado à atenção profissional por familiares depois de perda de peso marcante (ou insucesso em obter o ganho de peso esperado) ter ocorrido. 
  • Se buscam ajuda por si mesmos, costuma ser devido à angústia causada por sequelas somáticas e psicológicas da inanição. 
  • É raro uma pessoa com anorexia nervosa queixar-se da perda de peso por si só. 
  • Na verdade, indivíduos com anorexia nervosa com frequência carecem de insight ou negam o problema.
  •  É, portanto, importante obter informações de familiares ou de outras fontes para avaliar a história da perda de peso e outros aspectos da doença (DSM-5, 2013).
Marcadores diagnósticos da Anorexia Nervosa

As seguintes anormalidades laboratoriais podem ser observadas na anorexia nervosa; sua presença pode servir para aumentar a confiabilidade diagnóstica (DSM5, 2013). 
  • Hematologia: É comum haver leucopenia, com a perda de todos os tipos de células, mas habitualmente com linfocitose aparente. Pode haver anemia leve, bem como trombocitopenia e, raramente, problemas de sangramento.
  • Bioquímica: A desidratação pode refletir-se por um nível sanguíneo elevado de ureia. A hipercolesterolemia é comum. Os níveis de enzimas hepáticas podem estar elevados. Hipomagnesemia, hipozincemia, hipofosfatemia e hiperamilasemia são ocasionalmente observadas. Vômitos autoinduzidos podem levar a alcalose metabólica (nível sérico elevado de bicarbonato), hipocloremia e hipocalemia; o uso indevido de laxantes pode causar acidose metabólica leve. 
  • Endocrinologia: Os níveis séricos de tiroxina (T4) geralmente se encontram na faixa entre normal e abaixo do normal; os níveis de tri-iodotironina (T3) estão diminuídos, enquanto os níveis de T3 reverso estão elevados. Os níveis séricos de estrogênio são baixos no sexo feminino; já no masculino, os níveis séricos de testosterona são baixos.
  • Eletrocardiografia: É comum a presença de bradicardia sinusal, e, raramente, arritmias são observadas. O prolongamento significativo do intervalo QTc é observado em alguns indivíduos. 
  • Massa óssea: Com frequência se observa densidade mineral óssea baixa, com áreas específicas de osteopenia ou osteoporose. O risco de fratura é significativamente maior.
  • Eletroencefalografia: Anormalidades difusas, refletindo encefalopatia metabólica, podem resultar de desequilíbrios hídrico e eletrolítico significativos. 
  • Gasto calórico em repouso: Há, com frequência, redução significativa no gasto calórico em repouso. 
  • Sinais e sintomas físicos: Muitos dos sinais e sintomas físicos da anorexia nervosa são atribuíveis à inanição. A presença de amenorreia é comum e parece ser um indicador de disfunção fisiológica. Se presente, a amenorreia costuma ser consequência da perda de peso, porém, em uma minoria dos indivíduos, ela pode, na verdade, preceder a perda de peso. Em meninas pré-púberes, a menarca pode ser retardada. Além de amenorreia, pode haver queixas de constipação, dor abdominal, intolerância ao frio, letargia e energia excessiva. 
O achados  marcantes no exame físico
  •  é a emaciação. 
  • hipotensão significativa, 
  • hipotermia 
  • bradicardia. 
Alguns indivíduos desenvolvem:
  •  lanugo, um pelo corporal muito fino e macio. 
  •  edema periférico, especialmente durante a recuperação de peso ou na suspensão do uso indevido de laxantes e diuréticos. 
  • raramente, petéquias ou equimoses, normalmente nas extremidades, podem indicar diátese hemorrágica.
  • Alguns indivíduos evidenciam tonalidade amarelada na pele, associada a hipercarotenemia. 
Assim como é visto em indivíduos com bulimia nervosa, aqueles com anorexia nervosa que autoinduzem vômitos podem apresentar hipertrofia das glândulas salivares, sobretudo das glândulas parótidas, bem como erosão do esmalte dentário. Algumas pessoas podem apresentar cicatrizes ou calos na superfície dorsal da mão pelo contato repetido com os dentes ao induzir vômitos (DSM-5, 2013).

Diagnóstico diferencial da Anorexia Nervosa

Os vários quadros clínicos e psiquiátricos que cursam com emagrecimento e diminuição da ingesta alimentar devem ser diferenciados do quadro anorético típico. 

  • Tendo em vista que muitas pacientes são conduzidas ao tratamento de forma involuntária, negando a possibilidade de estarem doentes, pode ser difícil conseguir alguns dados importantes na anamnese inicial.
  • É importante afastar causas físicas para a perda de peso, particularmente patologias gastrointestinais, lembrando inclusive da possibilidade de comorbidades clínicas desta natureza em uma paciente com diagnóstico prévio de anorexia nervosa. 
  • O adequado reconhecimento dos sintomas apresentados por cada paciente em particular, especialmente seu posicionamento subjetivo frente ao emagrecimento, é a diretriz principal para o adequado diagnóstico diferencial (TAVARES et al 2018). 
  • Nos quadros depressivos pode ocorrer perda de peso expressiva secundária ao verdadeiro sintoma anorexia (diminuição do apetite), não havendo busca pelo emagrecimento ou temor de engordar como na anorexia nervosa. 
  • Além disso, existe na depressão um sentimento geral de ineficiência ou incapacidade, enquanto a perda  da autoestima na pessoa anorética se acha ligada particularmente ao peso e à imagem corporal (TAVARES et al 2018). 
  • Na esquizofrenia de início precoce, sintomas como negativismo, retraimento emocional, indecisão e recusa alimentar por motivos delirante-alucinatórios podem aproximar este diagnóstico do quadro descrito na anorexia nervosa. Neste último, contudo, não estão presentes as alterações fundamentais da esquizofrenia nas áreas do afeto, distúrbios do pensamento e volição (TAVARES et al 2018).
  •  Nos quadros ansiosos é possível encontrar sintomas como evitação de alimentos ou de situações relacionadas ao ato social de comer. A fobias alimentares e a fobia social são os principais exemplos. Novamente, a ausência do emagrecimento como motivação permite o diagnóstico diferencial (TAVARES et al 2018)
Referências:

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