Le Bom mostra
que a Psicologia não cumpriu cabalmente a sua tarefa e nem conseguiu esclarecer
todos os nexos, e ainda que tivesse atingido esses objetivos, surgiria sempre
um PROBLEMA NOVO, NÃO RESOLVIDO, já
que a PSICOLOGIA procura nas AÇÕES e nas RELAÇÕES COM OS MAIS PRÓXIMOS os seguintes
aspectos: As DISPOSIÇÕES, os IMPULSOS INSTINTUAIS, os MOTIVOS e as INTENÇÕES do
Indivíduo.
Esse FATO
NOVO, SURPREENDENDE que surge a partir do alinhamento do indivíduo com a
multidão, leva o mesmo a adquiri a
característica de MASSA PSICOLÓGICA, condição em que o indivíduo PENSA, SENTE E AGE DE MODO COMPLETAMENTE distinto
do esperado.
Ele faz então três perguntas a serem
refletidas:
1.
O que
é então uma “massa”?
2.
De que
maneira adquire ela a capacidade de influir tão decisivamente na vida psíquica
do indivíduo?
3.
Em que
consiste a modificação psíquica que ela impõe ao indivíduo?
A psicologia
teórica das massas, oriunda da OBSERVAÇÃO
DA REAÇÃO ALTERADA DO INDIVÍDUO, oferece material para respondê-las à
partir da terceira pergunta.
1º OBSERVAR A REAÇÃO ALTERADA DO INDIVÍDUO
2º DESCREVER AS REAÇÕES A SEREM EXPLCIADAS
3º EXPLICAR AS REAÇÕES
Le Bon diz : “O fato mais singular, numa
massa psicológica, é o seguinte:
Quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações,
seu caráter ou sua inteligência,
o simples fato de se terem transformado
em massa, os torna possuidores de
uma espécie de alma coletiva.
Esta
alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e
agiria isoladamente.
Certas ideias, certos sentimentos aparecem ou se
transformam em atos apenas nos indivíduos em massa.
A MASSA PSICOLÓGICA
é um ser provisório, composto de elementos
heterogêneos que por um instante se soldaram.
Observações feitas por FREUD sobre a exposição de Le Bom:
Se os INDIVÍDUOS DA MASSA estão ligados numa
unidade, tem de haver algo que os une
entre si, e este meio de ligação poderia ser justamente o que é
característico da massa. Le Bon lida
apenas com a modificação do indivíduo na
massa e a descreve em termos que harmonizam bastante com os pressupostos
básicos de nossa psicologia profunda.
“Constata-se
facilmente o quanto o indivíduo na massa difere do indivíduo isolado;
mas as
causas de tal diferença. Para
descobri-las é preciso recorrer à PSICOLOGIA MODERNA que diz:
Que
não é apenas na vida orgânica, mas também no funcionamento da inteligência que
os fenômenos inconscientes têm papel preponderante.
A VIDA CONSCIENTE DO ESPÍRITO não
representa senão uma pequenina parte,
comparada à
sua vida inconsciente e que apenas um número pequeno dos móveis inconscientes
que conduz o indivíduo é descoberto.
Nossos
atos conscientes derivam de um substrato
inconsciente com resíduos ancestrais que constituem a alma da raça.
Por
trás das CAUSAS CONFESSAS DE NOSSOS ATOS,
há sem dúvida CAUSAS SECRETAS QUE NÃO
CONFESSAMOS, mas por trás dessas causas secretas HÁ OUTRAS, BEM MAIS SECRETAS ainda, pois NÓS MESMOS A IGNORAMOS.
A maioria de nossos atos cotidianos é resultado de móveis
ocultos que nos escapam.
Na
massa, acredita Le Bom:
1. as
aquisições próprias dos indivíduos se desvanecem, e com isso desaparece sua
particularidade.
2. O
inconsciente próprio da raça ressalta, o heterogêneo submerge no homogêneo.
3. A SUPER
ESTRUTURA PSÍQUICA, que se desenvolveu de modo tão diverso nos indivíduos, é
desmontada, debilitada, e o fundamento inconsciente comum a todos é posto a nu
(torna-se operante).
Dessa
maneira se produziria um caráter mediano
dos indivíduos da massa.
Mas
conforme Le Bon BUSCA AS RAZÕES para o SURGIMENTO DE CARACTERÍSTICAS NOVAS em três fatores:
1. “O
primeiro é que o indivíduo na massa
adquire, pelo simples fato do número,
um sentimento de poder invencível que
lhe permite ceder a instintos que, estando só, ele manteria sob controle. E
cederá com tanto mais facilidade a eles, porque, sendo a massa anônima, e por conseguinte irresponsável, desaparece por completo o sentimento de responsabilidade
que sempre retém os indivíduos.” Não precisamos, em nosso ponto de
vista, atribuir muito valor à emergência de novas características. Basta-nos
dizer que na massa o indivíduo está
sujeito a condições que lhe permitem se livrar das repressões dos seus impulsos
instintivos inconscientes. As CARACTERÍSTICAS
APARENTEMENTE NOVAS, que ele então apresenta, são justamente AS MANIFESTAÇÕES DESSE INCONSCIENTE, no
qual se acha contido, em predisposição, tudo de mau da alma humana. Não é difícil compreendermos
o esvaecer da consciência ou do sentimento de responsabilidade nestas
circunstâncias. Há
muito afirmamos que o cerne da chamada CONSCIÊNCIA MORAL consiste no “MEDO
SOCIAL”.
2. Uma
segunda causa, o CONTÁGIO MENTAL,
intervém igualmente para determinar a manifestação
de características especiais nas massas e a sua orientação. Para explicar o
contágio é preciso relacionar aos fenômenos de ordem hipnótica que adiante
estudaremos.
Numa massa, todo sentimento,
todo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo
sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo.
Eis uma aptidão contrária à sua natureza, de que o homem só se torna capaz enquanto parte de uma massa” . Sobre esta
última frase vamos fundamentar, mais adiante, uma importante conjectura.
3. “Uma terceira causa, de longe a mais importante, determina nos indivíduos da massa
características especiais, às vezes bastante contrárias às do indivíduo isolado.
Refiro-me à SUGESTIONABILIDADE, de
que o contágio mencionado acima é apenas um efeito.
“Para compreender esse fenômeno, é
preciso ter em mente algumas descobertas recentes da fisiologia. Sabemos hoje que um
indivíduo pode ser posto, num estado tal que, tendo perdido sua personalidade consciente, ele obedece a todas as sugestões do
operador que a fez perdê-la, e comete os atos mais contrários a seu caráter e a
seu costume.
Ora, observações atentas parecem provar que o
indivíduo, mergulhado há algum tempo no seio de uma massa ativa, logo cai — em
consequência de eflúvios que dela emanam, ou por outra causa ainda ignorada — num estado
particular, aproximando-se muito do estado de fascinação do hipnotizado nas
mãos do hipnotizador […].
A personalidade consciente se foi, a vontade e o discernimento sumiram. Sentimentos e pensamentos são então
orientados no sentido determinado pelo hipnotizador. “Tal é, aproximadamente, o estado de um indivíduo que participa de
uma massa. Ele não é mais consciente de seus atos. Nele, como no
hipnotizado, enquanto certas faculdades
são destruídas, outras podem ser
levadas a um estado de exaltação extrema.
A influência de uma sugestão o
levará, com irresistível impetuosidade, à realização de certos atos. Impetuosidade
ainda mais irresistível nas massas que no sujeito hipnotizado, pois a sugestão,
sendo a mesma para todos os indivíduos, exacerba-se pela reciprocidade” Portanto
as principais características do INDIVÍDUO DE MASSA são:
a. Esvanecimento da personalidade consciente.
b. Predominância da personalidade
inconsciente
c. Orientação
por via de sugestão e de contágio dos sentimentos e das ideias num mesmo
sentido.
d. Tendência
a transformar imediatamente em atos as ideias sugeridas.
Ele não é mais ele mesmo, mas um autômato cuja vontade se tornou
impotente para guiá-lo.
Le Bon
realmente designa o estado do indivíduo na massa como hipnótico, não se limita
apenas a compará-lo com este. Freud não pretende contradizê-lo, mas somente
destacar que as duas últimas causas da
modificação do indivíduo na massa, o contágio e a maior sugestionabilidade,
evidentemente não são do mesmo tipo, pois o contágio deve ser também uma
manifestação da sugestionabilidade.
De qualquer modo ele distingue esta INFLUÊNCIA
FASCINADORA, deixada na penumbra, e o EFEITO CONTAGIOSO DOS INDIVÍDUOS ENTRE SI,
que vem a fortalecer a sugestão original.
Eis
ainda uma consideração importante para julgar o indivíduo da massa: “Portanto,
pelo simples fato de pertencer a uma massa, o homem desce vários degraus na
escala na civilização.
Isolado, ele era
talvez um indivíduo cultivado, na massa é um
instintivo, e em consequência um bárbaro. Tem a espontaneidade, a violência,
a ferocidade, e também os entusiasmos e os heroísmos dos seres primitivos”
Ele então se detém especialmente na diminuição da capacidade intelectual,
experimentada pelo indivíduo que se dissolve na massa.
Deixemos
agora o indivíduo e nos voltemos para a DESCRIÇÃO
DA ALMA DE MASSA,tal como Le Bon a delineia.
Nela não
há traço algum que um psicanalista não consiga derivar e situar. O próprio
Le Bon nos mostra o caminho, ao apontar
a coincidência com a vida anímica dos povos primitivos e das crianças.
A
massa é impulsiva, volúvel e
excitável. É guiada quase
exclusivamente pelo inconsciente.
Os impulsos a que
obedece podem ser, conforme as
circunstâncias, nobres ou cruéis,
heroicos ou covardes, mas, de todo modo, são tão imperiosos que
nenhum interesse pessoal, nem mesmo o da autopreservação, se faz valer
Nada
nela é premeditado. Embora deseje as
coisas apaixonadamente, nunca o faz por muito tempo, é incapaz de uma vontade persistente. Não tolera qualquer demora entre o seu desejo
e a realização dele. Tem o sentimento
da onipotência; a noção do impossível desaparece para o indivíduo na massa.
A
massa é extraordinariamente
influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não
existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras
associativamente, como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm
sua coincidência com a realidade medida por uma instância razoável. Os sentimentos da massa são sempre muito
simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem
incerteza.
Ela
vai prontamente a extremos; a suspeita
exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe
de antipatia se torna um ódio selvagem.
Inclinada
a todos os extremos, a massa também é
excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os
argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa.
Como a
massa não tem dúvidas quanto ao que é
verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo
tempo, intolerante e crente na
autoridade.
Ela RESPEITA A FORÇA, e deixa-se influenciar
apenas moderadamente pela BONDADE, que para ela é uma
espécie de fraqueza. O que
ela exige de seus heróis é fortaleza,
até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus
senhores.
No
fundo inteiramente conservadora, tem profunda aversão
a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição.
Para
julgar corretamente a moralidade das
massas, deve-se levar em consideração que, ao se reunirem os indivíduos numa massa, todas as inibições individuais caem por terra e todos os instintos*
cruéis, brutais, destrutivos, que dormitam no ser humano, como vestígios dos
primórdios do tempo, são despertados para a livre satisfação instintiva.
Mas as massas são também capazes, sob influência da sugestão, de elevadas provas de renúncia, desinteresse, devoção a um ideal. Enquanto a vantagem pessoal, no indivíduo isolado,
é quase que o único móvel de ação, nas
massas ela raramente predomina. Pode-se falar de uma moralização do indivíduo pela massa.
Enquanto
a capacidade intelectual da massa está bem abaixo daquela do
indivíduo, sua conduta ética
tanto pode ultrapassar esse nível como
descer bem abaixo dele.
Alguns
outros traços, na caracterização de Le Bon, lançam uma clara luz sobre a validez de identificar a alma da massa
com a dos povos primitivos.
Nas
massas as IDEIAS OPOSTAS podem coexistir
e suportar umas às outras, sem que resulte um conflito de sua contradição
lógica.
O
mesmo sucede, porém, na vida anímica
inconsciente dos indivíduos, das crianças e dos neuróticos, como há
muito demonstrou a psicanálise.
Além disso, a massa está sujeita ao poder verdadeiramente mágico das palavras,
que podem provocar as mais terríveis tormentas
na sua alma e também
apaziguá-las “
A RAZÃO e os ARGUMENTOS não sabem lutar contra certas palavras e certas
fórmulas. Proferidas com solenidade diante da massa, imediatamente os rostos se tornam respeitosos e as cabeças se inclinam.
Muitos as consideram forças da natureza, poderes sobrenaturais” Quanto a
isso, basta lembrar o tabu dos nomes entre os primitivos, as forças mágicas que
para eles estão ligadas a nomes e palavras.
E por
fim, as massas nunca tiveram a SEDE DA
VERDADE. Requerem ilusões, às quais
não podem renunciar.
Nelas o irreal tem primazia sobre o real, o que não é verdadeiro as influencia quase
tão fortemente quanto o verdadeiro. Elas têm a visível tendência de não
fazer distinção entre os dois.Já mostramos que essa predominância da vida da
fantasia, e da ilusão sustentada pelo desejo não realizado, é algo determinante
na psicologia das neuroses.
Descobrimos
que o que vale para os neuróticos não é
a realidade objetiva comum, mas a realidade psíquica. Um sintoma histérico se baseia na fantasia, em vez de na repetição da vivência real, a consciência de culpa da neurose
obsessiva, no fato de uma má intenção que jamais se realizou.
Como no sonho e na hipnose, na atividade anímica da massa a prova da
realidade recua, ante a força dos desejos investidos de afeto.
Le Bon acredita que, quando seres vivos se reúnem em determinado número, seja um rebanho
de animais ou um grupamento de homens, instintivamente se
colocam sob a autoridade de um chefe.
A massa é um rebanho dócil, que não pode jamais viver sem um senhor.
Ela tem tamanha sede de obediência,
que instintivamente se submete a
qualquer um que se apresente como seu senhor. Assim, as necessidades da
massa a tornam receptiva ao líder, mas este precisa corresponder a ela com suas
características pessoais.
Ele
próprio tem de estar fascinado por uma forte crença (numa
ideia), para despertar crença na massa;
ele tem de possuir uma vontade forte,
imponente, que a massa sem vontade vai aceitar.
Le Bon
discute então os diferentes tipos de
líder, e os meios pelos quais atuam sobre a massa.
No
conjunto, entende que os líderes
adquirem importância pelas ideias de que eles mesmos são fanáticos. A estas ideias,
assim como aos líderes, atribui igualmente
um poder misterioso, irresistível, que ele chama de “prestígio”.
O prestígio é uma espécie de domínio que
uma pessoa, uma obra ou uma ideia exerce sobre nós QUE:
1.
Paralisa toda a nossa capacidade crítica
2.
Nos enche de espanto e respeito.
3.
Provocaria um sentimento semelhante ao do
fascínio na hipnose.
4.
Distingue o prestígio adquirido ou artificial e
o pessoal.
a.
Prestígio
adquirido ou artificial - é dado às
pessoas pelo nome, a riqueza, a reputação, e conferido às concepções, obras de
arte etc. pela tradição. Como em todos os casos ele remonta ao passado, pouco
ajudará na compreensão dessa misteriosa influência.
b.
O
prestígio pessoal existe em poucas pessoas que através dele se tornam líderes,
e faz com que todos a elas obedeçam,
como sob o efeito de um encanto magnético. Mas todo prestígio depende
também do sucesso, e é perdido com o fracasso.
Nota: “As considerações de Le
Bon sobre o papel do líder e a importância do prestígio não nos parecem se
harmonizar com a sua brilhante descrição da alma coletiva.”