Os aspectos desenvolvimentais na adolescência serão brevemente discutidos a fim de apresentá-los a partir da perspectiva beckiana e/ou como impactam na TCC para esse público em particular. Assim, serão selecionados apenas os temas mais relevantes para a presente discussão.
A adolescência é caracterizada por
modificações hormonais e físicas por meio das quais as crianças se tornam sexualmente maduras. Nessa fase, chamada
puberdade, os adolescentes
enfrentam desafios adaptativos como o novo corpo em formação. Consequentemente, a partir dessa mudança,
questões como imagem corporal, autoestima, sexualidade e identidade são colocadas em evidência.
A puberdade é desencadeada por mudanças hormonais advindas das glândulas suprarrenais e do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal (HHG), que levam a transformações no funcionamento físico e no desenvolvimento de características primárias (mudanças que envolvem diretamente os órgãos de reprodução) e caracteres secundários (outras características não diretamente envolvidas com os órgãos reprodutivos).
É importante enfatizar que essas modificações variam de pessoa para pessoa e que, entre os fatores que as influenciam, se destacam: influências genéticas, estresse, peso corporal e nível nutricional (Belsky, 2010).
No que diz respeito ao desenvolvimento cerebral, observa-se que os lobos frontais ainda não estão totalmente maduros na adolescência e que continuam se desenvolvendo até meados dos 20 anos.
Nessa fase, nota-se maior produção de cortisol (hormônio do estresse), excretado também pela glândula suprarrenal, em resposta a eventos de vida negativos – isto é, na adolescência há maior reatividade ao estresse do que na infância (Belsky, 2010).
Assim, é indicado que o terapeuta observe e avalie sintomas de estresse nesses pacientes.
No que tange à saúde geral, os adolescentes podem ser considerados relativamente saudáveis. É na segunda fase da adolescência que a maioria das pessoas se encontra no pico da performance física (Arnett, 2013).
Problemas de saúde costumam ser relacionados a pobreza e estilo de vida perigoso. Deve-se enfatizar, todavia, que, em relação à saúde mental, se observa maior suscetibilidade ao desenvolvimento de transtornos como esquizofrenia, transtorno bipolar e abuso de substâncias psicoativas, aspecto que também deve ser levado em consideração pelo terapeuta ao realizar a anamnese e a conceitualização de caso.
Para tanto, devem ser investigados sintomas de transtornos mentais e história familiar de doenças.
Além da transformação física, a puberdade causa total modificação psicológica, visto que as mudanças hormonais, que atuam sobre os centros emocionais, provocam também alterações nos neurotransmissores, fato que propicia aos adolescentes estados mais emotivos e maior disposição a correr riscos (Belsky, 2010).
A puberdade, de forma geral, intensifica as sensibilidades sociais e os estados emocionais dos jovens.
A partir dessas colocações a respeito do desenvolvimento físico na adolescência, cabe ao terapeuta cognitivo-comportamental investigar as questões relativas a autoimagem, autoestima, identidade e sexualidade, tendo em vista as consideráveis mudanças corporais vivenciadas pelos adolescentes.
Alguns deles podem ter uma experiência negativa em relação a essas modificações no corpo, fato que pode impactar nas cognições relativas a si mesmos. Nesse sentido, é aconselhável que o terapeuta faça perguntas diretas sobre os temas citados. Para tanto, pode usar como técnica da TCC o Registro de Pensamentos Automáticos Disfuncionais (RPD), visando a identificação de cognições negativas – e, caso as encontre, deve, posteriormente, trabalhar sua reestruturação cognitiva.
É importante também investigar e trabalhar as habilidades de identificação das emoções, tendo como objetivo reconhecê-las e nomeá-las adequadamente, já que, nessa fase do desenvolvimento, há uma intensificação dos estados emocionais. Nesse aspecto, técnicas de regulação de emoção são bastante úteis. Além disso, alguns adolescentes são mais vulneráveis ao estresse; assim, trabalhar habilidades de enfrentamento ao estresse é fundamental, observando-se, sempre, as diferenças individuais e os diversos níveis do desenvolvimento do adolescente em tratamento.
Ainda, os comportamentos de risco devem ser investigados e monitorados. A intervenção para tratar dos diferentes tipos de comportamentos de riscos identificados pode ser realizada a partir de técnicas de automonitoramento e de autorregulação, como o RPD e as técnicas de relaxamento, mindfulness, entre outras.
Porém, provavelmente é aos aspectos cognitivos que o terapeuta cognitivo-comportamental deve lançar um olhar mais atento. A cognição na adolescência é marcada pelo desenvolvimento do pensamento abstrato, da capacidade de resolução de problemas e das capacidades de memória e de atenção (Arnett, 2013).
Diversas teorias tentam explicar o desenvolvimento cognitivo do adolescente, destacando-se:
1) a teoria do estágio operacional formal, de Piaget
2) a teoria de processamento de informação
3) a teoria sobre os aspectos imaturos do pensamento adolescente, de Elkind
4) a teoria do julgamento moral, de Kohlberg (para mais detalhes, ver Cap. 1).
Todos esses modelos têm críticas e lacunas, todavia, fornecem uma estrutura conceitual importante para refletir sobre os aspectos cognitivos a partir de uma ótica desenvolvimental.
A teoria cognitiva de Piaget descreve as mudanças gerais nas estruturas mentais e na capacidade de resolução de problemas. Quando chegam ao estágio operacional formal, os adolescentes são capazes de pensar de maneira lógica e abstrata, em possibilidades hipotéticas, raciocinar sistematicamente e pensar sobre o pensar (metacognição).
O estágio operacional formal é o quarto e último estágio do desenvolvimento cognitivo; inicia-se em torno dos 11 anos e chega ao amadurecimento entre os 15 e os 20 anos. Em tese, ao chegar a esse estágio, os adolescentes pensariam da mesma forma que os adultos. Todavia, o modelo é duramente criticado, visto que Piaget deu pouca atenção às diferenças individuais (p. ex., alguns adultos nunca passam pelo estágio operacional formal). Outra crítica se deve ao fato de que nem todas as pessoas usam as operações formais em diferentes aspectos de suas vidas cotidiana (Arnett, 2013).
Por fim, Piaget não explica os mecanismos subjacentes que possibilitam as alterações nos processos cognitivos nessa fase do desenvolvimento. É inegável aos olhos do clínico, porém, o aparecimento das características do pensamento formal, bem como seu impacto na cognição adolescente. Se fizéssemos um paralelo com Beck, poderíamos supor que tais características consolidam os modos e impactam definitivamente a forma como o jovem e o futuro adulto interpretarão seu mundo.
A partir da teoria de processamento de informação, é possível fazer uma complementação à teoria piagetiana, na medida em que sugere quais seriam os mecanismos cognitivos subjacentes à mudança para o estágio operacional formal. Assim, nessa perspectiva, são necessários avanços significativos nas seguintes áreas durante a adolescência (Sternberg, 2005):
1) capacidade ou eficiência de processamento (memória de trabalho e de longo prazo e velocidade de processamento)
2) estratégias de organização (planejamento)
3) conhecimento sobre os próprios processos de pensamento (metacognição)
4) autorregulação cognitiva (atenção seletiva e dividida).
Somente com essas transformações no processamento de informação que é possível a complexificação do pensamento em operações mais abstratas e hipotéticas. Recorrendo aos estudos sobre processamento de informação mencionados para retomar Beck, poderíamos identificar como os modos ou esquemas se tornam mais complexos nessa fase, como o sistema orientativo (metacognição) se sedimenta no interior do modo e como os aspectos motivacionais tomam nova forma, uma vez que a autorregulação cognitiva permite ao adolescente avaliar de forma mais objetiva seus interesses e planejar suas ações.
Outra teoria é a de David Elking, que, a partir de sua experiência clínica com adolescentes, observou e descreveu atitudes e comportamentos imaturos que podem ser provenientes das incursões inexperientes dos jovens no pensamento abstrato. Entre esses padrões de pensamento, ele destacou:
tendência a discutir, indecisão, encontrar defeito nas figuras de autoridade, público imaginário e fábula pessoal.
O público imaginário, ou autoconsciência, diz respeito ao sentimento de estar sendo observado por todos, e a fábula pessoal é a convicção de que se é especial, incomparável e não sujeito às regras que governam o resto do mundo. O público imaginário e a fábula pessoal persistem em menor grau na vida adulta. Uma crítica feita à teoria diz respeito à prevalência desses padrões durante a adolescência; isto é, em vez de serem características universais do desenvolvimento cognitivo, o público imaginário e a fábula podem estar relacionados com experiências sociais específicas, visto que, em algumas culturas, essas características não foram corroboradas (Belsky, 2010).
No entanto, pensando em uma perspectiva beckiana, tais características podem explicar alguns pontos que dificultam intervenções de reestruturação cognitiva, bem como aspectos que as facilitam. Nesse sentido, esses fatores devem ser levados em consideração na escolha de técnicas como balança decisória e questionamento socrático, por exemplo, que podem ser muito úteis nesse ponto do desenvolvimento.
Por fim, Lawrence Kohlberg baseou-se na teoria de Piaget, partindo do pressuposto de que o desenvolvimento do pensamento abstrato possibilita a capacidade de refletir sobre si mesmo e, associado aos valores pessoais, permite que as pessoas desenvolvam um conjunto de valores morais que oriente suas vidas. Assim, pelo exame de como as pessoas raciocinam sobre dilemas éticos, Kohlberg classificou-as em três níveis:
nos níveis pré-operacional (nível de julgamento moral no qual o que importa é a punição e a gratificação);
convencional (julgamento moral baseado no cumprimento de normas sociais);
pós-convencional superior (baseado nos ideais morais, independentemente das normas da sociedade).
Kohlberg constatou que, em meados da adolescência, a maioria dos indivíduos chega ao nível convencional. Uma contribuição de sua teoria é descrever os avanços do pensamento moral durante essa etapa do desenvolvimento, durante a qual se questionam as regras da sociedade e as injustiças no mundo. Entre as críticas ao modelo, destaca-se o fato de que poucos adultos atingem o nível pós-convencional; além disso, a fala dos participantes não está necessariamente ligada à ação, visto que podem conter incoerências e inconsistências, dificultando a predição do comportamento pela escala de Kohlberg (Belsky, 2010).
Em uma perspectiva do modelo modal de Beck, as atribuições de significados e expectativas tomarão uma nova referência na vida do adolescente, podendo mesmo se opor às normas culturais de seus pais e adultos de referência.
Assim, basta ressaltar que a variabilidade interindividual no desenvolvimento cognitivo pode dificultar ou facilitar o uso das técnicas da TCC, visto que essas dependem de processos simbólicos complexos (Holmebeck, O’Mahar, Abad, Colder, & Updegrove, 2006).
Em geral, elas enfatizam a AUTORREFLEXÃO, o PENSAMENTO CONSEQUENCIAL (capacidade de refletir o impacto de um padrão de pensamento e comportamento) e as considerações sobre POSSIBILIDADES FUTURAS.
Entre as técnicas utilizadas, encontra-se o QUESTIONAMENTO SOCRÁTICO, no qual perguntas são realizadas a fim de investigar pensamentos automáticos e crenças distorcidas. Essa técnica visa o desenvolvimento de novos pensamentos, mais adaptativos.
Há também o treinamento de resolução de problemas, que envolve habilidades de automonitoramento, avaliação de prováveis consequências da seleção de uma solução, avaliação de uma solução e, se necessário, a busca de uma nova solução alternativa (Holmebeck et al., 2006).
O treinamento de resolução de problemas visa o desenvolvimento de respostas mais adaptativas durante conflitos interpessoais, dificuldades de tomada de decisão e decepções com figuras de autoridade.
Já para questões que envolvam julgamentos morais, pode-se usar técnicas de autorreflexão.
Em síntese, as teorias propostas pelos autores anteriormente citados são importantes para a compreensão dessa fase do desenvolvimento humano, já que essas particularidades da adolescência influenciam o sistema de crenças proposto na teoria de Beck. Tais influências ocorrem devido às radicais mudanças observadas na imagem corporal, na autoestima, na sexualidade, na identidade, aspectos imaturos do pensamento, conforme proposto por Elkind, e no julgamento moral, nos quais os adolescentes precisam adaptar as suas crenças (construir, desconstruir, flexibilizar ou tornar mais rígidas) a essas novas circunstâncias do desenvolvimento.
Todavia, é importante ressaltar que não há evidências na literatura nacional e internacional testando essas proposições e que são necessários estudos para comprovar a existência ou não dessa modificação no sistema de crenças, articulando as teorias clássicas da psicologia do desenvolvimento à teoria beckiana.