quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O nascimento da medicina social

Michael Foucault busca saber se a medicina moderna, científica , a partir do seculo XVIII , com o surgimento da patologia é individual ou coletiva e social?

Foucault lança mão do seguinte questionamento:

"A medicina moderna é individual porque penetrou no interior das relações de mercado? Que a medicina moderna, na medida em que é ligada a uma economia capitalista, é uma medicina individual, individualista, conhecendo unicamente a relação de mercado do médico com o doente, ignorando a dimensão global, coletiva, da sociedade?"

Procurou mostrar que a medicina moderna...

  •  é uma medicina social, com tecnologia de corpo social;
  • é uma prática social, com apenas um de seus aspectos individualistas;
  • valoriza as relações médico-doente.
  • tornou-se coletiva com o advento do capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX.
  • trás a ideia de que o corpo é uma realidade bio-política, já que o controle de uma sociedade se opera pela relação do corpo com o corpo.
  • é uma estratégia bio-política.
As três etapas de formação da medicina social:
  1. Medicina do Estado - surgiu na Alemanha, início do séc. XVIII, onde surge a ciência do Estado, trazendo o conhecimento de Estado, e a estrutura de funcionamento geral de seu aparelho político. O Estado passa a ser objeto de conhecimento e instrumento de lugar de formação de conhecimentos específicos. Desenvolve-se, portanto, os conhecimentos estatais e a preocupação com o funcionamento do Estado.
          As razões para se desenvolver o Estado na Alemanha foram:Quando as formas de Estado se inciavam, desenvolveram-se conhecimentos estatais. Por outro lado, o não desenvolvimento econômico e a estagnação do desenvolvimento econômico na Alemanha no séc XVII, após a guerra dos 30 anos e tratados com França e Áustria, forma-se a burguesia que buscou apoio no soberanos já que o comércio estagnou-se, passando a ser funcionários do Estado. 

         A Prússia embora menos desenvolvida economicamente e muito conflitiva politicamente, foi o primeiro Estado Moderno. Todas as nações do mundo europeu se preocupavam com o estado de saúde de sua população, frente ao mercantilismo que era uma teoria político-econômica, que objetiva aumentar a produção da população ativa, para estabelecer fluxos comerciais lucrativos ao Estado. Daí a necessidade de se levantar a população economicamente ativa dos países europeus. Somente a Alemanha se preocupa efetivamente com a melhoria da saúde da população 

A política médica da Alemanha que levou a formação da medicina de Estado:
  1. Sistema completo de observação da morbidade, não especificamente de nascimento e morte, mas também o contexto em que levava a isso.
  2. Normatização da prática e do saber médico, por meio das Universidades e da corporação de médicos, porém, com controle do Estado nos programas de ensino e atribuição de diplomas.
  3. Uma organização administrativa para controlar a atividade os médicos, com departamento especializado encarregado de acumular as informações transmitidas pelos médicos.
  4. Funcionários médicos encarregados de determinadas regiões, sob domínio de poder  e autoridade de seu saber.
  5. Propôs uma medicina funcionarizada, coletivizada, estatizada.

      2. Medicina Urbana
          
A França no desenvolvimento da medicina social, fins do século  XVIII, pelo viés da urbanização para se chegar a medicina social. O poder urbano foi unificado, com a finalidade de constituir uma cidade como unidade, com corpo urbano coerente, homogênico bem regulamentado e de poder único.

A cidade se torna um importante luvar de mercado que unifica as relações comerciais, inclusive internacionalmente. Surge a indústria tornando uma cidade produtiva.As cidades se desenvolveram, surgiu a população operária pobre - proletariado - surgem as agitações  entre rico e pobre, plebe e burguês. Houveram revoltas do campo devido ao seu estado de pobreza, aumentando o perigo social. Se desenvolveu atividade de medo, angústia diante da cidade, se instalando medo urbano, surgindo a necessidade de se pensar na questão político-sanitária. 

A burguesia lança mão de um modelo médico e político de quarentena intervindo no estado crítico das revoltas onde:
  1. Cada pessoa em sua própria casa, se possível cômodo.
  2. A cidade deveria se dividir em bairros com uma autoridade designada, e estes deveriam fazer relatório ao prefeito sobre o que observava nos bairros.
  3. Esses inspetores revistavam os habitantes  durante o dia por onde passavam.
  4. Casa por casa se fazia a desinfecção.
Na Idade Média o leproso era expulso, exilado.Uma medicina de exclusão. O mesmo era feito com os loucos. Já com a peste, a medicina distribuía os indivíduos uns ao lado dos outros, isolados, e vigiava-os.

A higiene pública, no século XVIII é uma variação sofisticada do tema da quarentena e é a partir daí que surge a grande medicina urbana, que consiste em três objetivos:

1. Analisar os lugares de acúmulo e amontoado de tudo, no espaço urbano que pudesse provocar doenças, epidemias.

2. Controlar a circulação não de indivíduos mas de coisas ou elementos como água e ar, grande fatores patógenos.

3. A organização chamada de distribuições e sequências por Foucault, que ajudariam onde colocar os diferentes elementos necessários à vida comum da cidade, tais como, fontes, esgotos, barcos -bombeadores, afim de não misturar água limpa com água suja.

A medicalização da cidade no século XVIII a partir do contato com as ciências extra-médicas, como a química, que passam a se encontrar a partir da análise do ar, da corrente de ar, das condições de vida e de respiração. Daí a necessidade da urbanização abrindo a medicina para a ciência físico-química.

A passagem cientifica da medicina se deu pela medicina coletiva, social e urbana. A medicina urbana trata das coisas como o ar, água, decomposições, fermentos, uma medicina de condições de vida e do meio de existência,  e não exatamente dos corpos humanos. A relação entre a medicina e os corpos se dá pelas ciências naturais.

Criou-se entre 1790 e 1791 comitês de salubridade dos departamentos e principais cidades, que garante o esta das coisas, do meio e seus elementos constitutivos, permitindo a melhor saúde possível, garantindo melhor saúde aos indivíduos.

3. Medicina da Força de Trabalho

É a medicina dos pobres, do operário, foi o último alvo da medicina social. Primeiro o Estado,  depois a cidade e finalmente os pobres e trabalhadores foram objetos de medicalização.

O pobre não tem o mesmo olhar que é direcionado aos cemitérios, ossuários, matadouros, etc, por não ser considerado risco para a sociedade. Como não haviam muitos pobres em paris, a pobreza não era expressiva de forma que demandasse uma política  social. Não haviam números nas casas, e conheciam a cidade aqueles que tinham o saber urbano, quem assegurava funções fundamentais da cidade, como transporte e água, eliminação de dejetos, era o pobre.

No séc XIX o pobre começa a aparecer como perigo à sociedade pelos seguintes motivos:


  1. Os pobre tornaram-se a força política criadora de revoltas contra o poder, durante a Revolução francesa;
  2. Foi estabelecido um sistema postal e de carregadores, dispensando os pobres  de seus serviços prestados.
  3. A cólera em 1832 começou em Paris e espalhou-se pela Europa, cristalizou em torno da população proletária ou plebeia, e a partir daí se criou um espaço urbano em espaços pobre e ricos. E o poder político começa a atingir o direito de propriedade e habitação privadas.
Na Inglaterra, com o desenvolvimento industrial, se desenvolve o proletário, surge a medicina social e a medicina de Estado já existia inspirada nos métodos da Alemanha.
 Surge a Lei dos pobres que a medicina inglesa cria como controle médico do pobre, tornando-se uma medicina social. A ideia de uma medicina de assistência controlada, de uma intervenção médica que atendesse aos pobres e as classes ricas separadamente, criando um cordão sanitário autoritário estendido no interior das cidades entre ricos e pobres, onde estes conseguiam se tratarem gratuitamente e sem despesas e não mais oferecendo riscos para os ricos. A Lei dos pobres era uma forma de assistência-proteção, assistência-controle. 

Mais tarde, em 1970,  é que a legislação médica da Lei dos pobres organiza um serviço não de cuidados médicos, mas de controle médico da população (Política autoritária), quando começam a controlar vacinação, obrigando a todos a se vacinarem; registrar as epidemias e doenças potencialmente epidêmicas; identificar locais insalubres para destruição.

O sistema Health service torna-se um modo complementar coletivo que garantia os controles propostos pela lei dos pobres. Isso desencadeou uma série de reações violentas da população. de resistência popular, reivindicando o direito das pessoas frente ao Estado controlador.

Ao contrário da medicina urbana francesa e da medicina de Estado da Alemanha do século XVIII, aparece no século XIX, sobretudo na Inglaterra, a medicina de controle da saúde e do corpo nas classes mais pobres  afim de, torná-la aptas para o trabalho e menos perigosa para as classes ricas.

O sistema inglês de Simon, ligou três coisas: assistência médica aos pobres; controle de saúde da força de trabalho e esquadrinhamento geral da saúde pública, mas em verdade, estavam protegendo as classes mais ricas dos perigos da pobreza.

O Plano Beveridge e os sistemas médicos dos países mais ricos e industrializados da atualidade, ainda fazem funcionar esses três setores da medicina, porém, articulados de maneiras diferentes.



REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Capítulo V O nascimento da medicina social, pg.46-56

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