Conceitos básicos em farmacologia
Droga:
- o termo tem sua origem na palavra droog, que significa folha seca, pois antigamente a maioria dos medicamentos era feita à base de vegetais.
- Atualmente, o termo pode ser definido como qualquer substância capaz de promover alterações fisiológicas ou farmacológicas, ou ainda, modificação de quadros patológicos, com ou sem a intenção de beneficiar o indivíduo.
- Exemplo: álcool.
Medicamento:
- produto farmacêutico elaborado em indústrias ou em farmácias de manipulação com propriedades cientificamente comprovadas.
Fármaco:
- É o mesmo que droga, porém é uma substancia com estrutura bem definida com finalidade preventiva, paliativa ou curativa no organismo doente.
- Exemplo: Diazepam.
Remédio:
- tudo o que provoca alívio de um sinal e/ou sintoma.
- Exemplo: acupuntura.
Caso clínico:
Dona Maria tem 72 anos e, como a maioria dos idosos, faz uso de diversos medicamentos. Um
deles, da classe dos anticonvulsivantes, é o Gardenal, de uso continuo há mais de dois anos. Ela
toma essa medicação devido a uma queda sofrida, na qual bateu a cabeça, tendo como
consequência do trauma diversas crises de convulsão. Durante o período de dois anos, ela teve
as crises convulsivas controladas. No entanto, certa noite, como de costume, Dona Maria foi até
seu quarto pegar a medicação anticonvulsivante; porém, já com a visão comprometida, pegou
outro medicamento, usado para tratamento de uma micose na unha. Esse erro se repetiu por
alguns dias, e assim, sem a medicação usada para controle das crises convulsivas, nesta manhã,
infelizmente, Dona Maria deu entrada em um pronto-socorro, com um quadro de diversas
convulsões seguidas. Lá, ela recebeu a medicação de emergência e as orientações sobre seu
tratamento.
A classe terapêutica dos anticonvulsivantes, como o medicamento que a Dona Maria se
esqueceu de tomar por alguns dias, é dos estimuladores ou inibidores do sistema nervoso
central?
Fisiologia do sistema nervoso central
O tecido nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso
periférico (SNP). O sistema nervoso periférico é dividido em gânglios, nervos e receptores. Esse
sistema é capaz de conduzir os estímulos do sistema nervoso central até os órgãos. O sistema
nervoso central é o sistema que sente, pensa e, em geral, controla nosso organismo. Ele é
dividido em medula espinhal e encéfalo, que por sua vez é composto por três partes: cérebro,
cerebelo e tronco encefálico, enquanto o tronco também possui três subdivisões: mesencéfalo,
ponte e bulbo.
O sistema nervoso central desempenha três principais funções:
(1) função sensorial
(2)
função integrativa (pensamento e memória)
(3) função motora.
A unidade funcional desse
sistema é o neurônio, que pode ser aferente ou sensitivo (conduz o impulso ao sistema nervoso
central), eferente ou motor (conduz as informações do sistema nervoso central aos músculos e
glândulas).
Esses neurônios, quando não estão conduzindo estímulos, estão no que chamamos
de potencial de repouso. Isso significa que o interior da célula está eletricamente negativo em
relação ao meio extracelular, caracterizando uma diferença no potencial nas faces das
membranas; graças a esse potencial nas faces interna e externa durante a condução do impulso
nervoso é que temos o potencial de ação.
O neurônio é composto por corpo celular, axônio e dendritos. Corpo celular é a principal
parte do neurônio, a qual contém o núcleo, ribossomos, retículo endoplasmático e a
mitocôndria. Se o corpo celular morrer, o neurônio também morre. Dendritos ou terminação
nervosa são prolongamentos oriundos do corpo celular, responsáveis por transmitir os impulsos nervosos (mensagem eletroquímica) de outras células ao corpo celular. Cada neurônio possui
um axônio, que também recebe o nome de fibra nervosa. Seu tamanho é variável e sua função
é transmitir os impulsos nervosos do corpo celular para a célula seguinte no cérebro.
Dependendo do neurônio, esse axônio pode ser coberto por uma fina camada denominada
mielina, e sua função consiste em acelerar a transmissão do impulso nervoso.
A comunicação entre um neurônio e outro ocorre por meio das sinapses, as quais são
responsáveis pela transmissão do impulso nervoso de um neurônio a outro; nessa região ocorre
a liberação das substâncias transmissoras (neurotransmissores) que podem ser excitatórias ou
inibitórias, responsáveis pela estimulação ou inibição do outro neurônio.
Os NT agem sobre dois tipos de receptores pós-sinápticos que são os Ionotrópicos (após
o NT se ligar ao receptor acontece abertura ou fechamento de canal iônico, sendo esta uma
transmissão rápida) e os Metabotrópicos (o NT se liga ao receptor dando início a reações
bioquímicas [ativa proteína reguladora G e essa aciona a proteína efetuadora] que permitem a
abertura de forma indireta de canais iônicos, sendo esta uma reação em cascata e usando um
segundo mensageiro, sendo uma comunicação lenta).
Os neurônios são as células da comunicação química do cérebro. O cérebro humano é
constituído por dezenas de bilhões de neurônios, cada um dos quais ligado a milhares de outros
neurônios. Assim, o cérebro tem trilhões de conexões especializadas, as sinapses.
Os neurônios
têm muitos tamanhos, comprimentos e formatos que determinam suas funções. Sua localização
no cérebro também determina a função desempenhada. Quando os neurônios não funcionam
adequadamente, podem surgir sintomas comportamentais. Quando a função neuronal é
alterada por fármacos, os sintomas comportamentais podem ser aliviados, agravados ou
produzidos.
Neurotransmissores
Há pouco mais de uma dúzia de neurotransmissores conhecidos ou de existência
suposta no cérebro. Para os psicofarmacologistas, é particularmente importante conhecer os
seis principais sistemas de neurotransmissores que são alvos das substâncias psicotrópicas:
- serotonina
- noradrenalina
- dopamina
- acetilcolina
- glutamato
- GABA (ácido γ-aminobutírico).
Alguns neurotransmissores são muito semelhantes aos fármacos e foram chamados
“farmacopeia de Deus”. Por exemplo, sabe-se muito bem que o cérebro produz sua própria
morfina (i. e., β-endorfina) e sua própria maconha (i. e., anandamida). O cérebro pode produzir
até mesmo seus próprios antidepressivos, ansiolíticos e alucinógenos.
Os fármacos frequentemente imitam os neurotransmissores naturais do cérebro, e
alguns deles foram até mesmo descobertos antes do neurotransmissor natural. Assim, a morfina
era usada na prática clínica antes da descoberta da β-endorfina; fumava-se maconha antes da
descoberta dos receptores canabinoides e da anandamida; os benzodiazepínicos diazepam e
alprazolam eram prescritos antes da descoberta dos receptores de benzodiazepínicos; e os
antidepressivos amitriptilina e fluoxetina passaram a ser usados na prática clínica antes da
elucidação molecular do sítio transportador da serotonina.
Isso ressalta o fato de que a maioria das substâncias que atuam no sistema nervoso
central exerce sua ação no processo de neurotransmissão. Com efeito, isso aparentemente
ocorre, às vezes, de modo a imitar as ações do próprio cérebro, quando este utiliza suas próprias
substâncias químicas.
O estímulo que chega a qualquer neurônio pode envolver vários neurotransmissores
diferentes provenientes de numerosos circuitos neuronais diversos. Compreender esses
impulsos para os neurônios dentro de circuitos funcionais pode ser a base de raciocínio para a
seleção e a combinação de agentes terapêuticos.
Esse tema é discutido extensamente nos
capítulos referentes aos diversos transtornos psiquiátricos. A ideia é que, para que os psicofarmacologistas modernos possam influenciar a neurotransmissão anormal em pacientes
com transtornos psiquiátricos, pode ser necessário ter como alvos neurônios em circuitos
específicos. Como essas redes de neurônios enviam e recebem informações por meio de uma
série de neurotransmissores, pode ser também necessário usar diversas substâncias ativas sobre
os neurotransmissores nos pacientes com transtornos psiquiátricos. Isso particularmente
quando agentes isolados com mecanismos relacionados com um único neurotransmissor não
são efetivos no alívio dos sintomas.
Principais neurotransmissores
Dopamina
A dopamina é sintetizada através da ativação da enzima tirosina hidroxilase, que
converte o aminoácido tirosina em L-DOPA, que por sua vez sofre descarboxilação e é
biotransformada em dopamina, a qual é armazenada em vesículas. Por meio de um impulso
nervoso (potenciais de ação), a entrada de cálcio é mediada por canais de cálcio dependentes
de voltagem no botão terminal, fazendo com que as vesículas com o neurotransmissor
dopamina respondam a um aumento do íon cálcio citoplasmático. O aumento do íon cálcio
libera esse neurotransmissor na fenda sináptica, possibilitando a interação do neurotransmissor
dopamina com seus receptores dopaminérgicos na célula pós-sináptica. Esse mecanismo
constitui o principal mecanismo de liberação dos neurotransmissores no sistema nervoso
periférico e no sistema nervoso central, bem como nas células endócrinas e nos mastócitos
(células liberadoras de histamina). Além disso, a dopamina liberada pode agir em
autorreceptores que estão localizados nos neurônios pré-sinápticos fazendo feedback negativo,
ou seja, inibindo a liberação da própria dopamina; essa inibição depende da quantidade do
neurotransmissor na fenda sináptica.
A dopamina está intimamente envolvida em alguns transtornos do sistema nervoso
central, como esquizofrenia, doença de Parkinson, distúrbio do déficit de atenção e dependência
química, além de alguns distúrbios endócrinos.
Receptores dopaminérgicos
Após ser liberada na fenda sináptica, a dopamina pode se ligar ao seu receptor. Existem
pelo menos 5 subtipos de receptores dopaminérgicos, os quais se dividem em duas classes:
Receptor dopaminérgicos do tipo D1 e D5, considerados receptores excitatórios. Sua localização
é predominantemente nos terminais pós-sinápticos. Receptores dopaminérgicos do tipo D2, D3
e D4, classificados como receptores inibitórios. Estão localizados na pré e pós-sinapse.
Serotonina
A síntese de serotonina (5-HT) começa pelo aminoácido triptofano, encontrado em
nossa dieta. Essa conversão acontece em duas etapas, sendo que, na primeira, uma enzima
triptofano hidroxilase converte triptofano em 5-hidroxi-triptofano, e depois, na segunda etapa,
a descarboxilase de aminoácidos aromáticos o converte em serotonina. Depois da síntese, a
serotonina é captada por vesículas sinápticas, por meio de um transportador de monoaminas,
sendo assim armazenadas até que ocorra um estímulo capaz de liberá-las para serem utilizadas
durante a neurotransmissão.
Assim como a dopamina, a serotonina também é metabolizada
pela enzima monoamino oxidase, que produz seu metabolito ácido 5-hidroxindolacético, que é
excretado pela urina.
Receptores serotoninérgicos
Existem inúmeros subtipos de receptores para serotonina. Os dois principais receptores
pré-sinápticos são o 5HT1A e 5HT1B, que são classificados como autorreceptores, ou seja, são
receptores inibitórios que acabam por controlar a liberação de serotonina. Os receptores
serotoninérgicos pós-sinápticos são o 5HT2A, 5HT2C, 5HT3, 5HT4, 5HT5, 5HT6 e 5HT7.
A serotonina tem papel crucial em processos de alucinações e alterações
comportamentais, sono, vigília, desordens do humor, comportamento alimentar, controle da
transmissão sensória, regulação da temperatura corporal, pressão arterial, ansiedade,
transtornos obsessivos compulsivos, latência do sono e função sexual.
Noradrenalina
O início da síntese de noradrenalina é idêntico à síntese da dopamina, sendo que a
noradrenalina é sintetizada através da ativação de uma enzima conhecida como tirosina
hidroxilase, que converte o aminoácido tirosina em L-DOPA. Quando L-DOPA sofre
descarboxilação e é biotransformada em dopamina, sofre a ação da enzima β hidroxilase,
convertendo a dopamina em noradrenalina. No que concerne à metabolização, ela segue os
mesmos padrões da dopamina e serotonina, sendo metabolizada pelas enzimas monoamino
oxidase e catecol-Ometiltransferase.
Receptores noradrenergicos
Receptores conhecidos como β1, β2, β3, α1 e α2 pertencem a uma grande família de
receptores que são encontrados em diversos tecidos ao longo do nosso organismo. Por exemplo,
podemos encontrá-los nos vasos sanguíneos, brônquios, útero, coração, fígado, plaquetas e nas
terminações nervosas. A importância do neurotransmissor noradrenalina se deve ao controle
do estado de vigília e do estado de alerta, à regulação da pressão arterial e ao controle do
humor. Sua diminuição está diretamente relacionada com a depressão.
Acetilcolina
A acetilcolina é formada nos neurônios colinérgicos a partir de dois precursores: colina
e acetilcoenzima A (AcCoA). Esses dois substratos interagem com a enzima de síntese colina
acetiltransferase produzindo o neurotransmissor acetilcolina. As ações da acetilcolina são
interrompidas pela ação da enzima acetilcolinesterase, convertendo o neurotransmissor em
colina.
Receptores colinérgicos
A acetilcolina possui dois tipos de receptores: muscarínicos e nicotínicos. Os receptores
muscarínicos no cérebro pertencem predominantemente à classe M1, e as ações centrais dos
antagonistas muscarínicos e dos anticolinesterásicos dependem do bloqueio e da estimulação
desses receptores. Os receptores muscarínicos atuam ao nível pré-sináptico (antes da fenda
sináptica), inibindo a liberação de acetilcolina dos neurônios colinérgicos, enquanto os
antagonistas muscarínicos atuam ao bloquear essa inibição, e, através desse bloqueio,
aumentam acentuadamente a liberação de acetilcolina. Já os receptores nicotínicos de
acetilcolina exibem, em sua maioria, localização pré-sináptica, mas também podem ser
encontrados pós-sinapticamente. A acetilcolina exerce seus efeitos centrais por meio de uma
ação agonista sobre os receptores nicotínicos. No entanto, muitos fármacos que bloqueiam os
receptores nicotínicos não atravessam a barreira hematoencefálica, e até mesmo os que
atravessariam a barreira não produzem efeitos colaterais significativos no sistema nervoso
central.
As vias colinérgicas presentes no sistema nervoso central têm tido papel importante no
tratamento dos sintomas da demência e doença de Parkinson. Esse neurotransmissor se mostra
envolvido em diferentes comportamentos (como aprendizado e memória, e controle do
movimento) e na doença de Alzheimer, em que 90% dos casos apresentam a perda de neurônios
colinérgicos no prosencéfalo basal e na região do hipocampo.
GABA
GABA é a sigla utilizada para descrever o neurotransmissor conhecido quimicamente
como Ácido gama-aminobutírico, que é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro,
sendo sintetizado a partir do aminoácido glutamato por meio de ações da enzima ácido
glutâmico descarboxilase.
Receptores gabaérgicos
Existem basicamente dois tipos de receptores gabaérgicos: GABA A e GABA B. Os
receptores de GABA B apresentam localização pré e pós-sináptica (antes e após a fenda
sináptica), enquanto o GABA A tem sua localização pós-sináptica. Nos receptores gabaérgicos
atuam duas importantes classes de fármacos, conhecidas como benzodiazepínicos e barbitúricos. Em 1959, foi desenvolvido o primeiro benzodiazepínico: o clordiazepóxido; já em
1963 surgiu o Diazepam.
Muito embora tenha sido desenvolvido para tratamento da ansiedade e como indutor
do sono, a eficácia do Diazepam também foi comprovada como relaxante muscular e
anticonvulsivante. Pela grande gama de atuação que essas drogas têm, elas estão entre as mais
prescritas no mundo.
Glutamato
O glutamato é sintetizado nas células gliais a partir da glutamina. Em seguida, é
transportado para as terminações nervosas e convertido em glutamato pela glutaminase.
Enquanto o GABA é o principal receptor inibitório do sistema nervoso central, o glutamato é o
principal receptor excitatório.
O glutamato atua no sistema nervoso central e provém principalmente da glicose,
através do ciclo do ácido tricarboxílico (ciclo de Krebs) ou da glutamina. Assim como outros
transmissores, o glutamato é armazenado em vesículas sinápticas e liberado por exocitose.
Existem proteínas transportadoras específicas responsáveis pela sua captação por neurônios e
outras células, e ainda pelo seu acúmulo em vesículas sinápticas.
Receptores glutamatérgicos
Existem basicamente quatro subtipos de receptores glutamatérgicos: NMDA, AMPA,
cainato e metabotrópico. Em anos recentes, pesquisas têm demonstrado a importante função
do glutamato no tratamento da esquizofrenia, além de saber que esse neurotransmissor já está
bastante estabelecido no que concerne à função do glutamato na vigília, no controle motor e na
hiperalgesia.
Referência:
MENEZES, J. C. Psicofarmacologia. Londrina: Editora Educacional, 2017.
STAHL, S. M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas / Stephen M. Stahl;
4. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
Apostila 1
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